Extras Episódio 02
07/04/1992 (Terça-feira) – IMPRENSA E GRUPO TIGRE CHEGAM EM GUARATUBA
Se considerarmos o relato de Rogério Podolak Pencai (ver Episódio 01) como verdadeiro, o ritual teria que ter ocorrido na janela de tempo entre 17 e 21 horas.
Enquanto o Grupo TIGRE investigava o desaparecimento do Evandro a família dele também começou a fazer uma investigação paralela por conta própria.
De acordo com os depoimentos de Diógenes Caetano dos Santos Filho e Davina Correia Ramos Pikcius, a família Caetano teria começado a desconfiar dos envolvidos quando, naquela mesma noite do dia 7, mais especificamente na madrugada do dia 7 para 8, Osvaldo Marcineiro teria usado seus poderes mediúnicos e indicado o mesmo local no qual o corpo de uma criança foi encontrado no sábado, dia 11. Este corpo foi depois identificado por Ademir Caetano como sendo o de seu filho Evandro.
As suspeitas ficaram ainda maiores quando a família viu o estado em que o corpo se encontrava. Diógenes Caetano dos Santos Filho garante que os policiais do Grupo TIGRE não fizeram nada a respeito com essas suspeitas e que eles comandavam as investigações de dentro da casa da família Abagge, usando o carro da primeira-dama e sendo acompanhados de perto por Paulo Brasil, assessor do prefeito. Também segundo Diógenes, os policiais do TIGRE tentavam afastá-lo das investigações.
29/05/1992 – DIÓGENES DENUNCIA A FAMÍLIA ABAGGE
Diógenes Caetano dos Santos Filho faz denúncia para Celso Carneiro Amaral, procurador de justiça do Paraná, de que o Grupo TIGRE não estaria fazendo as investigações de forma correta, deixando de investigar a família Abagge que poderia ser suspeita. Neste mesmo termo de Declaração, Diógenes anexa os panfletos que fez contra Aldo Abagge.
Termo de Declaração de Diogenes
Folhetos de Diógenes contra Aldo Abagge
12/06/1992 – POLÍCIA MILITAR PASSA A SER RESPONSÁVEL PELA INVESTIGAÇÃO
O caso foi passado para o Grupo Águia da Polícia Militar do Paraná, mas sem a consciência do Grupo TIGRE. Dito de outra forma: estavam ocorrendo duas investigações paralelas, entre duas polícias diferentes, sem cooperação entre elas.
De acordo com a imprensa da época, o grupo da polícia militar fez em 10 dias o que o Grupo TIGRE não havia feito em 3 meses e desvendou a morte de Evandro. A polícia civil alegava que o Grupo Águia cometeu falhas na investigação enquanto a polícia militar aponta omissões da polícia civil.
Num trecho retirado do julgamento de 2004, um dos advogados de defesa questionava Adauto Abreu se investigações paralelas como a que ocorreu eram comuns na época. Ele considera uma ilegalidade a investigação feita pela polícia não-judiciária. Só a polícia civil e a polícia federal poderiam fazer uma investigação.
Para Moacir Favetti, secretário de segurança pública na época, a polícia civil estava sendo conduzida e ludibriada por Celina Abagge até pistas falsas, sendo assim necessário enviar outras formas de investigação.
19/06/1992 – DAVINA CORREIA RAMOS PIKCIUS PRESTA UMA DECLARAÇÃO CORROBORANDO DEPOIMENTO DE DIÓGENES
Neste depoimento, a Davina Correia Ramos Pikcius conta com mais detalhes sobre como Osvaldo Marcineiro, acompanhado de outras pessoas, teriam ido até a casa dos pais de Evandro para oferecer ajuda espiritual. Na madrugada do dia 7 para 8, Osvaldo, supostamente utilizando de seus poderes mediúnicos, teria apontado um matagal que a teria deixado com muito medo de adentrar naquela escuridão. Dias depois, no sábado dia 11, naquele matagal seria encontrado o corpo que mais tarde seria identificado por Ademir Caetano como sendo o de seu filho Evandro.
02/07/1992 (Quinta) – PRISÕES
Depois de quase 3 meses de investigações feitas pelo Grupo TIGRE sem nenhum resultado, Celina Abagge e Beatriz Abagge foram presas após confessarem que mataram Evandro num ritual com a ajuda de mais cinco pessoas. Essas confissões foram registradas em uma fita K7, gravada provavelmente na manhã do dia 2 de Julho.
À noite, no quartel da Polícia Militar em Matinhos, município próximo à Guaratuba, ocorreram os depoimentos oficiais sob a presença do delegado civil Luiz José Martins Ricci. Celina Abagge e Beatriz Abagge, acompanhadas de advogados, negaram suas participações no crime. Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira e Davi dos Santos Soares estavam sem advogados e confessaram em seus depoimentos.
Dias depois, descobriu-se que Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos Soares foram presos no dia 1 de Julho, ou seja, antes de Celina e Beatriz. De acordo com o Grupo ÁGUIA, as mulheres foram presas por conta das deleções de Osvaldo e Davi.
03/07/1992 – COLETIVA DE IMPRENSA
Numa coletiva de imprensa realizada na secretaria de segurança pública, em Curitiba, Osvaldo Marcineiro descreve detalhes de como ocorreu o crime, acusando Francisco Sergio Cristofolini ou Airton Bardelli de terem cometido o assassinato. Após essas delações, os dois foram presos neste dia.
No total, sete pessoas foram presas, sendo que:
- quatro deles (Celina, Beatriz, Osvaldo e Davi) tiveram confissões gravadas em áudio ou em vídeo que estavam de posse da polícia. As gravações são do dia 02 de Julho;
- na noite do dia 2 de Julho, sob presença de advogados, Beatriz e Celina passaram a negar a autoria do crime, falando que foram torturadas e forçadas a confessar. Seus advogados assinaram o termo de interrogação “sob protesto”, pois afirmaram posteriormente que o escrivão não estava relatando tudo o que elas falavam com exatidão;
- Vicente de Paula Ferreira foi trazido de Curitiba para Matinhos, onde prestou seu depoimento no quartel de Matinhos. Ele, Osvaldo e Davi estavam sem advogados. Em seus depoimentos formais, confessaram o crime, delatando também Celina, Beatriz, Airton Bardelli e Francisco Sérgio Cristofolini;
- no dia 3 de Julho, os cinco primeiros presos (Osvaldo, Davi, Vicente, Beatriz e Celina) foram levados para a Curitiba, a uma coletiva de imprensa que ocorreria na Secretaria de Segurança Pública. Beatriz e Celina já estavam com um novo advogado, o Dr. Dálio Zippin Filho, o qual conseguiu que as duas não precisassem atender à coletiva. Osvaldo, Davi e Vicente, ainda sem advogados, deram suas declarações à imprensa naquele momento;
- antes da coletiva, uma nova fita de vídeo foi gravada, com Osvaldo, Davi e Vicente reafirmando seus depoimentos da noite anterior.
Durante a coletiva, Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula e Davi Soares contaram como teria sido o ritual, afirmando que Celina Abagge e Airton Bardelli teriam raptado Evandro no dia 6 de Abril de 1992, um dia antes do suposto ritual. De acordo com Osvaldo naquela coletiva de imprensa, Evandro teria sido assassinado ou por Francisco Sérgio Cristofolini ou por Airton Bardelli – justamente os acusados que não estavam na secretaria naquele momento.
08/07/1992 – MOACIR FAVETTI: “BRUXOS SERÃO SOLTOS EM PRAÇA PÚBLICA”
09/07/1992 – MATÉRIA SOBRE CASA DOS ABAGGE SENDO APEDREJADA
06/08/1992 – JORNAL CORREIO DA BAHIA: “POVO DE GUARATUBA PEDE AFASTAMENTO DE PREFEITO”
08/08/1992 – JORNAL TRIBUNA DA BAHIA: “PREFEITO ENVOLVIDA COM MAGIA NEGRA TEVE O MANDATO CASSADO”
10/06/1993 – MÔNICA SANTANNA CONSEGUE UMA EXCLUSIVA COM CELINA E BEATRIZ
Mônica Santanna vai até a Penitenciária Feminina de Piraquara tentar fazer uma entrevista exclusiva para o Folha de Londrina com Celina Abagge e a Beatriz Abagge. Foi a primeira vez que as Abagge deram a versão delas, com detalhes, sobre o crime. Elas alegaram terem sido torturadas e forçadas a confessar o crime.
Para Mônica, algumas incógnitas se mantiveram: por que o padre Adriano Franzoi parou de frequentar a casa dos Abagge? Mônica nunca conseguiu uma entrevista com o padre. O crime teria mesmo motivações políticas? Crime passional?
SALDO GERAL DO CASO
• Beatriz Abagge e Celina Abagge ficaram presas em regime fechado até 1996, quando conseguiram liberação para prisão domiciliar. Em 1998, foram julgadas naquele que ficou conhecido como o tribunal do júri mais longo da história brasileira: 34 dias, na cidade de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Foram inocentadas, mas o Ministério Público recorreu e conseguiu anular o julgamento.
Em 2011, Beatriz foi novamente julgada, dessa vez na 2ª Vara do Tribunal de Júri de Curitiba. Celina na época já tinha mais de 70 anos, o que fez com que o crime prescrevesse para ela, já que nesta idade a prescrição cai pela metade. Neste novo julgamento, Beatriz foi condenada a 21 anos de prisão, num julgamento que durou 2 dias;
• Beatriz recorreu da decisão. Em 2016, o processo já estava no Supremo. Paralelo a isso, no final de 2015, Beatriz Abagge entrou com um pedido de indulto, uma espécie de “perdão de pena”, entre aspas, previsto na lei brasileira com base no indulto presidencial emitido pela então presidente Dilma Roussef, já que ela atendia aos critérios de ter cumprido parte da pena, ter filho menor de idade, etc.
Nesse meio tempo, em 2016, o STF mudou seu entendimento sobre prisão em segunda instância, o que motivou a Justiça do Paraná a emitir seu mandato de prisão. Ela ficou foragida por alguns dias, sob orientação de seus advogados, até que o indulto foi concedido.
Em 2017, o Ministério Público havia entrado com um recurso contra o indulto. Perdeu na 1ª instância, recorreu à 2ª, perdeu, recorreu ao Supremo, perdeu. Esse processo todo durou cerca de um ano;
• os 7 acusados foram distribuídos em 3 grupos diferentes, cada um com um processo próprio (apesar de ser teoricamente apenas um). O primeiro grupo era conhecido como os dos “pais de santo”, sendo Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira e o artesão Davi dos Santos Soares. Eles foram julgados em 99, num júri que não foi até o fim, e em 2004, quando foram condenados. Vicente de Paula Ferreira morreu na prisão;
• O outro grupo era o das chamadas “bruxas”, sendo Beatriz e Celina Abagge, que foram inocentadas em 1998 num júri que depois foi cancelado, e depois Beatriz foi condenada em 2011;
• E o terceiro grupo seria o dos ajudantes da família Abagge, sendo Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli. Eles foram inocentados em 2005;
• cada processo possui quase 60 volumes, resultando em mais de 20 mil páginas cada;
• No total, foram 5 tribunais do júri, sendo um em 1998, um em 1999, outro em 2004, outro em 2005 e o último em 2011. Desses 5, 2 foram dissolvidos antes do seu fim.
Em todos esses julgamentos, os debates entre acusação e defesa giraram em torno dos seguintes tópicos:
• Será que os réus foram torturados para confessar?
• A investigação da Polícia Militar, realizada pelo grupo ÁGUIA, sem o conhecimento do Grupo TIGRE da polícia civil, era legal, tendo em vista que pela constituição brasileira apenas a Civil tem poder de investigação?
• O Grupo TIGRE foi enganado pela família Abagge?
• Como foi feita a necrópsia do corpo, tendo em vista que seu estado de putrefação o impedia um reconhecimento tão rápido?
• Havia motivações políticas no crime por parte de Diógenes Caetano dos Santos Filho?
• Diógenes odiava a família Abagge e por isso teria tramado contra elas?