Extras Episódio 05
15 DE FEVEREIRO DE 1992
Desaparecimento de Leandro Bossi. Leandro era filho de pais separados, o pescador João Bossi e a camareira Paulina Bossi. Seu desaparecimento quase não chamou atenção das autoridades e imprensa na época. A investigação do seu desaparecimento encontra-se em aberto até hoje no SICRIDE pois não se sabe o que houve com o menino. Para conseguir detalhes do caso foi necessário entrar em contato com o SICRIDE, delegacia dedicada a desaparecimento de crianças no Paraná, criada em 1995, três anos após o desaparecimento de Guaratuba. Por ser tratar de um caso ainda em andamento não é possível ter acesso aos materiais da investigação e todas as informações coletadas sobre o menino são baseadas em entrevistas, depoimentos e matérias. E para entender melhor sobre o caso partimos para entrevistar o pai de Leandro, João Bossi, que ainda reside em Guaratuba. A entrevista foi concedida em fevereiro de 2017, na fachada de sua casa é possível ver uma faixa questionando a responsabilidade da segurança pública e o SICRIDE quanto ao desaparecimento do seu filho.
Na entrevista João mostra sua indignação contra o delegado Gilberto Pereira da Silva que, de acordo o relato de João, na época quis prendê-lo por “irresponsabilidade”. No dia em que Leandro, sumiu João estava há dois dias em alto-mar, pescando “para trazer sustento para a sua família”. Não é possível verificar se isso aconteceu de fato mas durante toda a entrevista foi possível constatar também o ódio que João possui por todas as instituições públicas. Raras vezes fez elogios a algum político, policial ou promotor. Por conta desse ódio, sua narrativa também soa confusa, misturando fatos, histórias e casos aleatórios de outros eventos que não fazem sentido fora da sua cabeça. João faz acusações graves não só a Gilberto Pereira mas também a outras autoridades e grande parte delas não são possíveis de serem verificadas. No dia dessa entrevista, também estava presente Ademir Bossi, filho de João, que na época do desaparecimento de Leandro tinha 15 anos e que acompanhou de perto tudo o que aconteceu.
Em fevereiro de 1992 João já estava divorciado de Paulina há quase 2 anos. Paulina Bossi era camareira do hotel Villa Real, o melhor hotel de Guaratuba, o mesmo em que o Grupo TIGRE ficou hospedado às custas da prefeitura enquanto investigava o caso do desaparecimento de Evandro. Ademir também trabalhava naquele hotel e, considerando que o pai passava os dias em alto mar, Leandro passava seu tempo livre com a mãe e o irmão no hotel. Justamente no dia do desaparecimento, o gerente do hotel não permitiu que Leandro ficasse no hotel, justificando que o menino estaria atrapalhando os hóspedes. Nessa mesma noite, acontecia o show de Moraes Moreira, o último lugar onde Leandro foi visto pelos seus amigos.
Ademir relata que quando chegou do trabalho por volta das três da manhã seu irmão não estava em casa. Ele e sua mãe entraram em contato com a polícia militar, que só liberou a ocorrência após 24 horas. Segundo Ademir Bossi, os amigos de Leandro viram o menino se esconder em umas caixas dentro de um caminhão e ser levado embora mas esse relato não pode ser comprovado.
JULHO DE 1992
Logo após a prisão dos sete acusados, o caso Leandro Bossi foi assumido por Luiz Carlos de Oliveira, delegado de Curitiba que já havia sido deslocado anteriormente para Guaratuba por designação da juíza da comarca Guaratuba, Anésia Edith Kowalski.
Luiz Carlos de Oliveira foi designado em caráter especial para o desaparecimento do Leandro Bossi. No julgamento de 2004, no qual três dos sete acusados foram julgados sendo eles o grupo conhecido como “Os Pais de Santo” (Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira e Davi dos Santos Soares), o juiz Rogério Etzel questionou Luiz Carlos sobre a confissão dos acusados sobre o sequestro do Leandro.
Luiz relatou que foi até o presídio para ouvir os réus pois, segundo informações, além do caso do Evandro eles também teriam confessado o sequestro de Leandro Bossi. Nos autos do processo há confissões de que alguns dos acusados teriam participado do sequestro e do sacrifício de Leandro Bossi, num relato muito parecido com o narrado por Diógenes no episódio 4. Essas confissões teriam ocorrido no Presídio do Ahú em Curitiba em torno do dia 11 de julho de 1992, cerca de 10 dias depois da prisão dos acusados.
Luiz Carlos de Oliveira foi designado para ser o delegado de Guaratuba durante 30 dias. Em caráter especial, também assumiu o caso do Leandro Bossi, ao mesmo tempo em que era o delegado titular do 5º Distrito em Curitiba. De acordo com diversos depoimentos, Luiz Carlos de Oliveira acreditava que poderia haver alguma relação entre o caso Evandro e o caso Leandro, dada a semelhança entre as duas crianças e inexistência de casos de crianças desaparecendo em Guaratuba. Por conta disso, chegou a investigar também o caso Evandro por conta própria, interrogando inclusive os pais de Evandro acerca do reconhecimento do corpo encontrado no dia 11 de Abril de 92.
AS CONFISSÕES SOBRE LEANDRO BOSSI
Por conta de divergências de relatos sobre o caso Evandro, os sete presos tiveram que passar por acareações enquanto estavam no presídio do Ahú, em Curitiba. As primeiras acareações foram entre os cinco homens presos (os três primeiros presos, do chamado “grupo dos pais-de-santo”: Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira, Davi dos Santos Soares; e os últimos dois presos, do chamado “grupo de ajudantes”: Francisco Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli). Durante essas acareações, Vicente de Paula Ferreira e Osvaldo Marcineiro confessaram que também participaram do sequestro e sacrifício do menino Leandro Bossi, em Fevereiro de 1992. Davi dos Santos Soares disse que não participou, mas que chegou a ouvir os dois conversando sobre isso no presídio. Bardelli e Cristofolini negaram tudo – tanto sobre o caso Leandro quanto o de Evandro.
Por conta dessas declarações do dia 11 de Julho, Luiz Carlos foi designado para interrogá-los – o que o fez no dia seguinte, dia 12 de Julho. Oliveira apenas assumiu o caso Leandro Bossi após as prisões dos sete acusados e, ao que tudo indica, até então essa investigação estava parada.
No interrogatório do dia 12 de Julho, os acusados confirmaram preliminarmente terem cometido o sequestro, mas havia algumas informações desencontradas. Em certo momento, de acordo com o depoimento de Oliveira, Osvaldo Marcineiro teria pedido para falar com Oliveira reservadamente. Nessa ocasião, Osvaldo teria mostrado para Oliveira vários hematomas nas suas costas. Nisso, o delegado teria questionado se ele havia realmente cometido o crime ou não. Osvaldo teria então afirmado que não havia cometido crime algum, e que aquela era a primeira vez que alguém perguntava isso para ele. Oliveira então teria chamado o promotor Antonio Cesar Cioffi de Moura, na época responsável pelo caso, para presenciar os hematomas e voltou a fazer uma acareação entre os acusados.
No dia 13 de Julho, Beatriz Abagge e Celina Abagge fizeram acareações com o chamado “grupo dos pais-de-santo”: Vicente de Paula Ferreira, Davi dos Santos Soares e Osvaldo Marcineiro. Os dois primeiros mantiveram seus relatos. Osvaldo Marcineiro, por sua vez, passou a relatar, pela primeira vez, que havia sido torturado para confessar tudo. Beatriz e Celina mantiveram suas negativas.
No dia 28 de Julho, dia no qual os sete acusados prestaram depoimentos formais à juíza Anésia Edith Kowalski, todos passaram a negar a autoria dos crimes, alegando que foram torturados para confessar.
SOBRE O CORPO ENCONTRADO NO DIA 11 DE ABRIL DE 92: EVANDRO OU LEANDRO?
O delegado Luiz Carlos de Oliveira relata que o pai de Leandro Bossi esteve presente no dia dia do encontro do cadáver que foi identificado como sendo de Evandro, e que ele teria dito que aquele parecia ser o seu filho. Para João Bossi, o corpo parecia estar queimado de gelo, como se estivesse guardado há algum tempo e preparado para aquela ocasião, afirmando que, para ele, o corpo não era nem de Evandro nem de Leandro. João também afirma que tudo isso não passou de uma briga política, envolvendo pessoas como ele que não tinham nada a ver com a política de Guaratuba.
Na época, Luiz Carlos foi o primeiro investigador a desconfiar que o corpo encontrado poderia ser na verdade de Leandro Bossi, chegando a bater de frente com João Ricardo Kepes Noronha. O corpo foi descoberto em abril e, quando Noronha assumiu o caso em julho, já era fato há quase três meses de que aquele corpo encontrado era de Evandro. Ou pelo menos até o momento em que Luiz Carlos aparece em cena. De acordo com a jornalista Monica Santanna, Oliveira teria sido o único a sustentar essa teoria, sem elementos concretos para ter esse argumento. Para Oliveira, o corpo foi identificado muito rápido, considerando que estava num estado onde o reconhecimento era difícil. Anos depois, Luiz também tentou desqualificar o exame DNA – exame este que só ocorreu por conta de seu pedido, realizado no dia 12 de Agosto de 1992, enquanto ainda presidia o caso Leandro Bossi. E teria sido esse seu pedido que gerou um atrito com o delegado Noronha (então encarregado pelo Caso Evandro) e com o promotor Antonio Cesar Cioffi de Moura, resultando no seu afastamento do caso Leandro Bossi.
Durante os julgamentos de 2004 e 2005, tanto a defesa quanto a promotoria questiona acerca da proximidade que o delegado Luiz Carlos de Oliveira teria com o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, o poderoso deputado estadual Aníbal Khury, aliado de longa data da família Abagge. Oliveira alegava que teria conhecido Khury apenas muito tempo depois de ter se envolvido com os casos Evandro e Leandro.
O DNA
No dia 12 de agosto de 1992, Luiz Carlos de Oliveira, solicitou para o diretor do Instituto Médico Legal, o Dr. Parreira, que fosse feito um exame de DNA com aquele cadáver que foi encontrado. O pedido na hora foi negado. Luiz Carlos de Oliveira e Ricardo Kepes Noronha eram amigos até aquela época e se desentenderam graças a essa questão. De acordo com Oliveira, Noronha tinha dúvidas dos questionamentos que ele fazia. O exame de DNA acabou sendo feito a pedido de Noronha.
Após as conversas que teve com alguns dos acusados Luiz passou a ter dúvidas de que o corpo encontrado era mesmo de Evandro. O corpo estava em estado de putrefação bastante avançado e deformado de forma que parecia ter sido feito para atrapalhar uma identificação mais rápida. Um outro detalhe sobre o corpo também acabou chamando atenção: segundo o relato de Adauto Abreu, na foto que estava de posse da polícia, Evandro aparecia usando uma bermuda que iria até os seus joelhos. Mas a mesma bermuda estava no corpo encontrado no matagal, só que, desta vez, ela parecia mais curta do que na foto.
No julgamento de 2004, a delegada do grupo TIGRE Leila Bertollini foi questionada sobre outro acontecimento estranho da época: os chinelos que foram encontrados perto da região onde estava o cadáver parecia que nunca tinha sido usados, como se tivessem sido colocados ali naquele dia. As chaves da casa de Evandro também pareciam que foram colocadas ali propositalmente. Todos esses eventos teriam levanto dúvidas em Luiz Carlos de Oliveira acerca da identidade do corpo encontrado no dia 11 de Abril de 1992.
O pedido do exame de DNA foi feito em agosto de 1992. Na época só existia um laboratório brasileiro que o realizava: o Instituto Gene em Belo Horizonte, dirigido pelo doutor Sérgio Danilo Pena. Essa desconfiança quanto a identidade do corpo passou a circular também na imprensa da época e foi o que acabou forçando Noronha a pedir ao Instituto Gene que fosse feito o exame de DNA. Três laudos foram produzidos, sendo o primeiro de novembro de 1992 cujo resultado deu como inconclusivo. O último data de 21 março de 1993, com a confirmação de que era de fato o corpo de Evandro Caetano.
Mas esses laudos estavam longe de ser o ponto final da questão.
Em 1995, após dois anos e meio em que os acusados se encontravam presos em regime fechado, um novo personagem passa a aparecer na mídia paranaense. Seu nome é Antonio Augusto Figueiredo Basto, na época um jovem advogado que já impressionava pela sua fala incisiva. Num trecho do programa Jogo Limpo, da TV Independência, Basto afirmava que ainda não existiam provas de que aquele corpo era realmente de Evandro, desafiando a acusação para que provasse o contrário e os confrontando com os três exames de DNA, no qual os dois primeiros teriam dado negativo e apenas o último teria sido conclusivo.
Segundo ele, a coleta de material genético não teria sido feita na presença dos advogados de defesa, o que já colocaria em risco a validade do exame. Outro argumento que ele utilizava seria uma entrevista na qual o Dr. Sérgio Danilo Pena teria dado para a revista Playboy, na qual teria afirmado que o exame teria sido feito com o osso de uma criança de 14 anos.
Basto também tinha em mãos o testemunho de um médico de Paranaguá, o doutor César Juarez Maria, que teria sido o primeiro legista a receber o cadáver. Neste depoimento, o legista teria afirmado que aquele corpo era de um adolescente, e que na época o pai de Evandro não quis fazer o reconhecimento do corpo. Mas por insistência de “um tio muito falante” (Diógenes Caetano dos Santos Filho), teria sido pressionado a reconhecer o corpo, chegando a dizer “olha como ele tem a bunda arrebitada, reconhece que é o teu filho mesmo”.
Basto afirmava que havia pedido a exumação do cadáver para a realização de um novo exame de DNA, pedido que foi negado.
O delegado Luiz Carlos de Oliveira também estava presente nesse programa. Ele também acreditava que o corpo havia sido jogado ali daquela forma para não haver a identificação do cadáver, induzindo as pessoas ao erro, e que os acusados haviam sido presos injustamente. Dentre os vários questionamentos que Oliveira trouxe em todos os anos que o caso Evandro circulou, além de apontar para possíveis conspirações políticas, sempre em torno da figura de Diógenes, dois fatores que ele questionava sobre o DNA eram o valor que ele teria custado (teria sido caro demais) e o tempo que demorou para sair (demorou quase um ano, deveria ter sido muito mais rápido).
No júri de 1998, Celina Abagge e Beatriz Abagge foram inocentadas justamente com base na argumentação de que aquele corpo encontrado no dia 11 de Abril de 1992 não era o de Evandro Ramos Caetano. Ou seja: se não o corpo não era de Evandro, não havia crime algum. Sendo assim, a defesa daquele júri foi capaz de desmontar o próprio laudo do DNA.
UMA OUTRA OSSADA
No dia 4 de Março de 1993, uma outra ossada de criança foi encontrada a 200 metros do local na mata na qual o corpo identificado como sendo o de Evandro Ramos Caetano foi encontrado em 11 de Abril de 1992. Junto com a ossada, havia peças de roupas e uma mexa de cabelo que levavam que seriam de Leandro Bossi. Contudo, após um exame de DNA, constatou-se que aquela ossada era na verdade de uma menina.