EXTRAS EPISÓDIO 10
Noite do dia 1º de julho de 1992, quarta-feira.
Prisões de Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos Soares, em Guaratuba.
Manhã do dia dois de julho de 1992.
Prisões de Celina Abagge e Beatriz Abagge. No mesmo dia também foi preso Vicente de Paula Ferreira, que estava em Curitiba.
Dia três de julho de 1992, sexta-feira.
Dia da coletiva de imprensa na Secretaria de Segurança em Curitiba, com Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula Ferreira. Também nesse dia foram presos Airton Bardelli, gerente de serraria dos Abagge e Francisco Sérgio Cristofolini, que era conhecido de vários dos acusados mas era mais próximo de Osvaldo, uma vez que os dois eram vizinhos e Francisco era filho da proprietária onde Osvaldo morava de aluguel.
O que aconteceu entre dia 1º e dia 3 de julho é motivo de disputa entre defesa e acusação até hoje, principalmente o que aconteceu no dia dois de julho, dia das prisões das Abagge.
Segundo a acusação, as Abagge teriam sido levadas de casa até o fórum de Guaratuba na manhã do dia dois de julho, sendo retiradas de lá logo em seguida por ameaça de linchamento por parte da população. Ficaram circulando pela cidade e depois ficaram aguardando num posto policial na estrada por algumas horas. Na parte da tarde, voltaram ao fórum, a população voltou a se reunir em torno do local e elas tiveram que ser retiradas de lá em definitivo. Foram levadas por policiais num ferry boat exclusivo onde elas iriam em direção ao quartel da polícia militar em Matinhos e lá prestaram seus depoimentos ainda naquela noite. A fita com as confissões foi gravada em algum momento durante esses deslocamentos e de acordo com as declarações do Grupo Águia a gravação ocorreu na segunda saída as duas do Fórum, enquanto se deslocavam para Matinhos.
Para as defesas as circunstâncias das prisões são diferentes. Para reconstruir os acontecimentos entre os dias 1º e 2 de Julho, utilizamos áudios de 3 dos 5 júris que ocorrerem em 25 anos:
O júri de 2004, no qual foram julgados Osvaldo, Vicente e Davi. Neste júri também há depoimentos de Beatriz e Celina, que depuseram como informantes;
O júri de 2005 nos quais foram julgados Airton e Sérgio. Neste júri, Celina também depôs como informante;
E o júri de 2011 no qual Beatriz foi julgada.
Além dos áudios desses júris também foi utilizado um dossiê chamado “Tortura Nunca Mais” que está anexado ao autos do processo e foi bastante utilizado pelas defesas em vários momentos. O dossiê foi produzido pelo Conselho Municipal da Condição Feminina e é assinado pela advogada Isabel Kugler Mendes que na época era presidente deste Conselho. O dossiê data de julho de 1993, um ano após as prisões, e é o documento mais completo sobre as denúncias de tortura que os acusados teriam sofrido.
Depoimento de 2011
1º de julho de 1992, aproximadamente entre 17:30 e 18:00 horas.
Beatriz estava na festa de aniversário do filho de Sérgio Cristofollini. Sua irmã Silvia disse que haviam fiscais da prefeitura que queriam falar com Osvaldo.
Depoimento de 2004
Osvaldo relata que no dia 1º de julho estava na casa de Sérgio Cristofolini para a comemoração do aniversário do seu filho. Dois homens apareceram a chamaram por ele, os homens explicam para Osvaldo que queriam jogar búzios, Osvaldo se nega a jogar, pois já havia passado do horário. Os homens continuaram insistindo enquanto Osvaldo não cedia as tentativas, até que os homens fazem Osvaldo sair do portão e ele acaba sendo algemado, encapuzado e jogado para dentro de um veículo. Os dois homens mandaram Osvaldo ficar quieto e disseram que eram matadores profissionais, sem maiores identificações. A justificativa dada na hora para os demais presentes é que Osvaldo estava sendo preso por não pagar imposto.
Depoimento de 2005
Sérgio Cristofolini conta que foi até Matinhos ver se Osvaldo realmente havia sido levado preso para lá e a chegar lá constatou que ninguém foi preso naquele dia. Sérgio voltou para casa e deixou para lá.
Ainda no dia 1º de julho, Antônio Costa ligou para Anésia Edith Kowalski, juíza de Guaratuba, perguntando onde estava Osvaldo. Anésia responde que era só uma averiguação e que outras pessoas também seriam presas em breve.
Osvaldo não sabia para onde estava sendo levado e permaneceu algemado sem nenhuma informação mesmo após chegar no local de destino. De acordo com o dossiê “Tortura Nunca Mais”, Osvaldo foi levado para uma chácara que fica a uns 40 minutos de distância de Guaratuba. Osvaldo sente que amarraram algo nos seus dedos enquanto faziam perguntas para ele e quando não respondia o que queriam ele recebia choques elétricos.
Julgamento de 2004
Davi dos Santos Soares conta que também foi preso nesse dia. Primeiramente dois homens apareceram na sua casa armados, também encapuzaram ele e o jogaram em um carro. O carro rodou por alguns minutos até pegar uma estrada e levar Davi para a tal chácara, a mesma onde Osvaldo também foi levado. Davi estava em outro cômodo, algemado e encapuzado e ouviu Osvaldo sendo torturado.
Osvaldo também ouviu Davi ser torturado e foi indagado se conhecia a família Abagge e o que sabia sobre eles. E continuou sendo torturado enquanto negava envolvimento com Celina e Beatriz e qualquer outra informação que pediam para ele revelar. No depoimento de Diógenes sobre os acontecimentos após o desaparecimento de Evandro consta que Osvaldo teria aparecido na casa da família do menino se prontificando a encontrar a criança e que mais tarde teriam ido perto do local onde mais tarde onde o corpo foi encontrado. Ainda vendado Osvaldo teve que mostrar como era feito o sacrifício de animais e cada vez que descrevia partes do animal como asas ele tomava choques e cada vez que falava mãos os choques paravam. As sessões de tortura teriam durado horas e os torturadores sempre tentavam fazer os dois confessarem algo que não sabiam o que era. De acordo com o dossiê Tortura Nunca Mais foram catalogados 16 tipos de torturas.
Em determinado momento um dos torturadores levanta o capuz do Osvaldo e pede para ele ler um papel escrito e assinado por Celina e Beatriz, assumindo a participação no crime e acusando também Osvaldo e Davi. Em algum momento dessa madrugada de tortura outra pessoa apareceu no local, primeiramente foi chamado de major e depois de capitão.
Beatriz conta que ao acordar de manhã teve sua casa invadida por homens que se identificaram apenas como policiais e que estavam ali para prender, sem nenhum mandado de prisão, sua mãe e sua irmã Sheila Abagge, Beatriz foi junto das duas e os policiais para o Fórum de Guaratuba. As três chegaram na sala de audiência junto do seu advogado. Chega um policial e leva Celina e Beatriz vai junto, se agarrando na mãe, Sheila e o advogado foram trancados na sala de audiência onde estavam. As duas são empurradas por mais policiais até um carro e Celina vê Diógenes na esquina do Fórum rindo da situação.
Segundo Celina elas foram levada dentro do Gol branco até determinado momento, onde Beatriz foi retirada do veículo e colocada em outro carro. No caminho, dentro do carro, os policiais começaram a fazer tortura psicológica em Celina, que vendada tentava identificar para onde estava sendo levada. As duas foram levadas para a mesma casa onde Osvaldo e Davi foram levados para serem torturados. Beatriz foi levada para um quarto onde foi violentada pelos homens. Celina ficou em outro cômodo, ouvindo os gritos da sua filha e sendo agredida fisicamente. A sessão de tortura prosseguiu, até que em determinado momento os policiais levaram Osvaldo até o quarto onde Beatriz estava e pediram para identificá-lo, até aquele momento eles achavam que ela era Sheila Abagge e que era amante de Osvaldo. Os policiais pedem para Beatriz levantar e se vestir para passar pelo detector de mentiras. Os cabos foram amarrados nos dedos de Beatriz da mesma forma que fizeram com Osvaldo e Davi e o procedimento também foi o mesmo: ela receberia choques se não falasse exatamente o que eles queriam ouvir. Beatriz não sabe dizer ao certo mas acredita que foi nesse momento que gravaram sua confissão.
Nem Beatriz nem Osvaldo lembram de quando foram gravados juntos, Osvaldo só lembra de ter visto Beatriz nesse momento que foi levado até ela quando os dois estavam sendo torturados. Beatriz e Celina relatam que nessas sessões foram obrigadas a dizer que mataram Evandro, com os torturadores a todo momento ditando exatamente o que elas deveriam dizer. Havia música e um rádio ligado na gravação das confissões, possivelmente para abafar o som dos gritos.
Apesar de tudo os depoimentos não surtiram efeito nos jurados de 2004 e 2011. Osvaldo, Davi, Beatriz e Celina foram os primeiros presos dos total de sete acusados, os quatro alegaram terem sido presos sem apresentação dos seus mandados de prisão mas eles existem e estão anexados ao processo. No caso de Beatriz, como vimos anteriormente, existe até um vídeo dela assinando o seu mandado e nele consta o horário de nove da manhã, o horário que ela diz que foi sequestrada do fórum e levada até a chácara, onde teria sido torturada com a sua mãe.
[DOWNLOAD] Mandados de Prisão – Osvaldo, Davi, Vicente, Beatriz e Celina (originais)
[DOWNLOAD] Mandados de Prisão – Osvaldo, Davi, Vicente, Beatriz e Celina (cópias Preto e Branco)