Enciclopédia do caso Evandro

EXTRAS EPISÓDIO 12

ATENÇÃO: Os relatos abaixo referem-se às argumentações das defesas e dos acusados. O Ministério Público e autoridades envolvidas sempre negaram todos os eventos descritos neste episódio.

 

 

3 DE JULHO DE 1992

Os cinco primeiros presos foram levados para Curitiba. Osvaldo, Davi e Vicente participaram de uma coletiva de imprensa, na qual explicaram como foi o ritual no qual Evandro foi morto. As Abagge não participaram da coletiva, com a justificativa de que elas pagaram advogados e o juiz proibiu a apresentação elas na imprensa.

 

Enquanto isso Sérgio Critofolini e Airton Bardelli foram presos em Guaratuba com base nas delações dos depoimentos feitos no quartel da polícia militar de matinhos na noite anterior. Diferente dos outros os dois nunca confessaram o crime, nem em gravações, na imprensa ou em interrogatórios oficiais, mesmo quando ainda não tinha advogados.   

 

 

DEPOIMENTO DADO NO JULGAMENTO DE CRISTOFOLINI E BARDELLI EM 2005

Critofolini afirma que acredita ser só mais um número dentro da trama que ele armada por Diógenes para incriminar as Abagge. Ele narra os acontecimentos do dia 1º de julho, aniversário de seu filho, ele chegou na festa entre às 18:30 e às 19:00 e descobriu que Osvaldo foi raptado pelos homens no Escort branco, que o levaram para Matinhos. Sérgio vai até lá tentar saber o que pode ter acontecido, não encontra Osvaldo e volta para casa. Dois dias depois ele teve que dar seu depoimento.

 

Sérgio afirma que nunca frequentou o terreiro de Osvaldo e também nunca presenciou nenhum tipo de sacrifício com animais. Ao ser questionado sobre o relatório Operação Magia Negra, sua participação como “auxiliar do ritual” e sobre ser “pistoleiro da família Abagge” ele nega todos os fatos, dizendo que nunca teve envolvimento com os Abagge ou com o caso. Não possuía nenhuma ligação com nenhum dos réus, afirmando que os conhecia apenas de vista e que sua mãe, Carmelita Cristofolini, alugava uma propriedade onde Osvaldo tinha o seu terreiro ao lado de onde Sérgio morava. Carmelita parece ser o único elo entre Osvaldo e Sérgio e provavelmente aparece pela primeira vez em um depoimento feito antes das prisões e que está anexado ao dossiê “Operação Magia Negra”.

 

O depoimento de Diógenes feito em 29 de maio de 1992 parece ter sido o primeiro movimento para que o Grupo Águia se envolvesse no caso, fazendo uma investigação paralela à do Grupo TIGRE. Nesse depoimento ele citou a noite quando Osvaldo e outras pessoas foram até a casa dos pais de Evandro e se oferecido a fazer uma reza e uma procura pelo menino.  Foi Davina, tia de Evandro, que deu esse relato para Diógenes e por conta disso dia 19 de junho de 1992 Davina deu uma declaração à Alcides Bittencourt Neto, contando mais detalhes sobre essa noite e, segundo ela, Carmelita fazia parte deste grupo. Carmelita costumava frequentar o terreiro de Osvaldo e Sérgio chegou a ir com ela algumas vezes apesar de afirmar categoricamente que não tinha nada a ver com a religião que ela praticava.

 

Num dos cadernos dos médiuns consta na penúltima folha seu nome e o nome de alguns orixás, com a data de entrada sendo 21 de fevereiro de 1992 e sem data de saída. Em outro caderno apreendido na casa de Osvaldo consta um atendimento feito para Sérgio novamente com o nome dele e nomes de alguns orixás, também está escrito que “nota-se sua mediunidade” e ao lado “exu cobrando assentamento”, assentamento é o alguidá onde as oferendas são postas. Sérgio não se recorda desse acontecido.

 

 

29 DE ABRIL DE 1992

Era aniversário de Guaratuba, Sérgio foi de moto até a cidade de Cubatão enquanto Osvaldo, Vicente, Davi, Beatriz e Antônio Costa foram num ônibus da prefeitura com o objetivo de serem batizados no espiritismo. Sérgio diz que não recebeu esse batismo e foi até lá para acompanhar a mãe dele, junto dele na garupa da moto estava sua esposa Tânia Mara de Souza Cristofolini.

 

Os cadernos colocam em cheque tudo que Sérgio alega e neles também constam os nomes de Aldo e Celina Abagge e outros políticos de renome da cidade. Celina é um caso curioso nesse sentido uma vez que se declarava católica fervorosa e inclusive tentava afastar Beatriz de qualquer outra religião. Inclusive esse era o teor de muitas conversas com o padre Adriano Franzoi que frequentava regularmente a casa dos Abagge. Se o nome dela constava nos cadernos significa que ela teria sim ligação com o pai de santo Osvaldo Marcineiro.

 

Celina, Carmelita e outros acusados justificam esses indícios da seguinte forma: naquele primeiro semestre de 1992 Osvaldo virou uma espécie de sensação em Guaratuba e todos estavam se consultando com ele, que costumava até mesmo a tirar búzios de qualquer um que encontrava, de modo informal, sempre anotando o nome da pessoa consultada e algumas informações sobre ela. A pessoa consultada muitas vezes nem sabia que Osvaldo fez tais anotações. Osvaldo poderia estar tentando transformar Sérgio em um potencial cliente, porém não foi essa a interpretação do Ministério Público.

 

Diferente de Sérgio, Airton Bardelli era próximo da família Abagge. Na fita cassete com as confissões de Celina e Beatriz ele é mencionado como quem teria feito os acertos para o pagamento do ritual. No dossiê Operação Magia Negra ele é citado algumas vezes, sendo o gerente da serraria foi responsabilizado pelo ocultamento de provas, uma vez que encomendou uma reforma no escritório da serraria onde o ritual teria ocorrido. No dossiê também é citado quatro testemunhas que o levariam ao crime:

  • A primeira é Irineu Venceslau de Oliveira, que teria sido dispensado por Bardelli no dia sete de abril, suposto dia do ritual. O homem afirmou que viu Celina, Beatriz, Bardelli, Osvaldo e outras pessoas que não conhecia naquela noite;

 

  • A segunda é Arnaldo Batista, funcionário da serraria que recebeu uma ordem de Bardelli para iniciar a reforma no escritório da empresa Abagge no dia 28 de junho para ocultar provas;

 

  • As outras duas testemunhas são Sigmar Batista e Mário Luiz da Silva, que também ajudaram na pintura do escritório.

 

Bardelli era um funcionário de confiança da família Abagge, tanto que no dia da prisão das duas ele ficou encarregado de levar os filhos de Beatriz para Curitiba, para o apartamento que a família tinha lá. Bardelli foi até o Fórum ao saber que elas seriam apresentadas naquela tarde ele passou a tarde inteira ao lado de policiais mas até aquele momento ele não fazia ideia de que no dia seguinte seria preso.

 

Depois de levar as crianças para curitiba ele retornou para a residência dos Abagge por volta das 10:00 da noite. Aldo pediu para que Bardelli ficasse na casa, na manhã seguinte ao sair de lá para ir trabalhar Bardelli tomou conhecimento que a polícia estava o procurando. Ao chegar na sua casa a polícia já estava lá e ele foi conduzido até o Quartel da Polícia Militar de Guaratuba, onde começaram as torturas e os questionamentos sobre sua participação na morte de Evandro. Depois disso ele foi levado até o quartel de Matinhos onde voltou a ser torturado e lá encontrou-se com Sérgio Cristofolini.

 

 

3 DE JULHO DE 1992 – PRISÃO DE SÉRGIO

Sérgio fica sabendo pelo seu irmão que estava sendo procurado por três homens. Às 10:00 da manhã, quando estava no bar do seu sogro, chega um Escort branco com os homens, perguntando se ele possuía a chave mestra da casa do Osvaldo Marcineiro. Sérgio pegou a chave na loja da mãe e foi com eles até a casa de Osvaldo, sendo testemunha da revista que os policiais fizeram nela. Após isso Cristofolini foi chamado para ir até o quartel de Matinhos dar seu depoimento sobre a revista feita na casa.

 

Em Curitiba, dentro da Delegacia de Serviços de Informação (DSI), na hora do almoço, ele encontrou com Bardelli que estava algemado e não pode começar sua refeição porque foi levado para outras sessões de tortura. Por volta das seis ou sete da noite os dois estavam juntos numa sala, chegou um policial à paisana perguntando pelos documentos dos dois com a intenção de “puxar a DVC” deles. DVC é a sigla para Divisão de Vigilância e Captura, que significa puxar a ficha para conferir os antecedentes criminais, a promessa é de que eles seriam liberados caso eles não tivessem nenhum antecedente criminal. Após isso outras pessoas chegaram no local dizendo “fica esses dois mesmo”.

 

Cristofolini prestou seu depoimento na noite do dia 3 de julho de 1992 às 20:50 no Quartel de Matinhos. O depoimento é curto e Critofolini afirma que conhece os acusados, que já presenciou alguns sacrifícios de galinha na casa de Osvaldo e que chegou a frequentar o terreiro de Osvaldo em algumas ocasiões mas não sabe informar sobre a morte de Evandro, ele estava sem seu advogado naquele momento.

 

Às 21:10 Bardelli dá o seu depoimento, já na presença do seu advogado Silvio Bonone, e o teor é de alguém que está sendo acusado. Ele fala qual é a ligação que tem com os outros acusados mas também não sabe informar nada sobre Evandro. Quando interrogado sobre os pertences de Evandro ele não sabe responder e também nega ter feito entregue qualquer dinheiro para algum pai de santo.

 

A forma como a imprensa divulgou as prisões dos dois é bem diferente de como esses depoimentos estão registrados. Em uma matéria do Diário Popular do dia 4 de julho de 1992, dia seguinte após as prisões e aos depoimentos, está registrado que Bardelli teria confessado o crime e revelado detalhes importantes para a resolução do caso. A matéria também atribui culpa a Sérgio Critofolini, dizendo que ele teria raptado Evandro numa moto. Os dois nunca confessaram seu envolvimento no crime e o mais próximo que existe de uma denuncia de Critofolini ter sequestrado uma criança de moto é referente ao caso de Leandro Bossi, conforme um relato de memória fornecido por Diógenes Caetano. A suspeita que fica é de que os policiais passaram essas informações para os jornalistas, acreditando que mais cedo ou mais tarde, sob tortura, eles iriam assumir o crime.

 

Capa do jornal Diário Popular do dia 4 de Julho de 1992

 

Matéria do Diário Popular de 4 de Julho de 1992. Já mencionam Airton Bardelli e Sérgio Cristofolini como envolvidos

 

Continuação da matéria do Diário Popular de 4 de Julho de 1992. Já mencionam Airton Bardelli e Sérgio Cristofolini como envolvidos

 

Nos dias seguintes, nas matérias televisivas, Cristofolini sempre era mencionado como “assistente do prefeito”, coisa que ele nunca foi. A imprensa e demais autoridades também foram os responsáveis por terem relacionado todo o caso a satanismo e coisas do tipo.

 

No caso de Bardelli e Cristofolini não existe nem mandado de prisão temporária apenas de prisão preventiva, que foram emitidas na mesma data que os outros mandados de prisão preventiva também foram emitidos para os outros cinco presos. Todos os mandados datam do dia 5 de julho de 1992, dois dias após Bardelli e Cristofolini terem sido detidos em Matinhos. Se houve investigações e eles chegaram nos acusados graças à elas e os dois homens foram delatados nas confissões de Osvaldo e De Paula porque não existe mandados de prisão temporária? Os policiais e o Ministério Público apresentam suas justificativas, ainda assim são pontos a serem questionados.

Pedido de Prisões Preventivas do Ministério Público em 3 de Julho de 92, citando os sete acusados

 

[DOWNLOAD] Decisão da juíza Anésia Edith Kowalski para prisões preventivas em 5 de Julho de 1992

 

 

ENTRE O DIA 6 E 7 DE JULHO DE 1992

Bardelli estava no Quartel da Polícia MIlitar de Matinhos quando foi encapuzado e levado pelos policiais dentro do porta-malas do carro até a casa de Anésia Edith Kowalski, ao sair de lá ele foi levado até a casa do Stroessner ou perto dela, onde foi torturado. Ele acredita que saiu do quartel entre 21:00 e 22:00, retornando entre 02:00 e 03:00. No dia 7 de julho, na parte da tarde, ele e Sérgio foram levados para Curitiba. Lá eles foram levados para uma cela num porão da Delegacia de Serviços de Informação (DSI) e ficaram ali por dois dias, sem receber alimento ou água, até a chegada dos seus parentes. Cristofolini foi encapuzado e levado de carro para outro lugar onde foi torturado.

 

Davi e Osvaldo afirmaram que Bardelli participou do assassinato de Evandro e ele, por sua vez, negou desde o primeiro depoimento. Por conta dessa divergência eles tiveram que passar por um processo de acareação. Em todas as acareações que Bardelli passou ele sempre negou sua participação, mantendo sempre sua versão inicial dos fatos. Beatriz, Celina e Cristofolini fizeram o mesmo em todas as acareações que passaram. Quando perguntado pelo juiz porque ele foi acusado Bardelli é enfático ao dizer que os demais acusados foram torturados para dizerem isso. Bardelli afirma ter presenciado os tapas e a tortura psicológica que Davi sofreu mas nega ter visto as outras torturas relatadas.

 

Bardelli e Cristofolini nunca admitiram culpa, mesmo depois das torturas que eles alega ter sofrido. Ambos foram absolvidos no julgamento de 2005, neste júri enquanto Bardelli fazia um relato lógico e convincente, Cristofolini parecia nem saber ao certo o que estava sendo perguntado. O advogado de defesa Haroldo César Nater soube usar bem isso a favor deles. César com isso queria que as pessoas chegassem a conclusão de que um homem que mal compreende as perguntas que eram feitas a ele dificilmente participaria se envolveria num ritual como aquele.

 

Outro fator que pode ter ajudado na absolvição dos dois pode ser o fato de que naquele ano Valdir Copetti Neves estava preso, sob acusações de ter formado milícias contra assentamentos do MST no Paraná. Valdir em 1992 era o capitão da polícia militar e coordenador da Operação Magia Negra como comandante do Grupo Águia e foi apontado por todos os sete acusados como o chefe das torturas. O julgamento de Bardelli e de Cristofolini foi o único ao qual ele foi depor e as respostas dele eram bastante evasivas, negando sempre sua participação e as acusações de que ele teria participado da tortura. Ele também negou ter conhecimento sobre as fitas VHS e sobre a casa de Stroessner.

 

Apesar de todos esses fatores terem pesado no julgamento de 2005 eles não tiveram muito efeito no caso dos outros réus. Em 2004 Osvaldo, Davi e De Paula foram condenados e em 2011 Beatriz também foi. Como é possível que a tese da tortura não tivesse força mesmo depois das estranhezas apresentadas na fita VHS?

 

Dois fatores podem explicar isso: primeiro as discrepâncias entre os relatos dos réus, comparados uns com os outros e a segunda após as prisões de O svaldo, Davi, De Paula, Celina e Beatriz. Nos depoimentos da noite do dia dois de julho as Abagge já afirmavam terem sido torturadas no dia seguinte, no dia da coletiva da imprensa, os cinco foram para Curitiba e encaminhados para o Instituto Médico Legal, para passarem pelos exames de lesões corporais. Mas, aos olhos do Ministério Público, os laudos de lesões corporais não apresentavam indícios de tortura.