Enciclopédia do caso Evandro

EXTRAS EPISÓDIO 13

As defesas dos sete réus se apoiam em quatro teses principais:
1) As prisões foram ilegais;

2) Tiveram como base uma armação política feita por Diógenes Caetano dos Santos Filho;

3) As confissões foram obtidas sob tortura;

4) Não há provas de que o corpo encontrado no matagal no dia 11 de abril era mesmo de Evandro.

 

Apesar das alegações de tortura seram bem convincentes, em 2004 Osvaldo, Davi e De Paula foram condenados. Beatriz e sua mãe foram as primeiras a serem julgadas em 1998 e foram absolvidas. Vale dizer que este julgamento de 1998 durou 34 dias, entrando na história do judiciário brasileiro como o júri mais longo do país. Após o veredito o ministério público recorreu e conseguiu anular o julgamento anos se passaram e celina completou 70 anos de idade, fazendo com que o tempo de prescrição de crimes caísse pela metade para ela. Beatriz não escapou de um novo júri e foi condenada em 2011.

 

As quatro teses apresentadas pela defesa apresentam discrepâncias, que foram muito bem exploradas pelo Ministério Público nos júris e foi isso que levou a condenação dos acusados. As estranhezas são mais claras quando analisamos o caso como um todo, analisando as mais de 20 mil páginas do processo e comparando os relatos dos envolvidos e todas elas possuem diversas explicações tanto para a defesa quanto para a acusação. A acusação diz que todos os setes acusados estão mentindo enquanto a defesa apresenta o argumento de que eles fizeram relatos de memórias, estavam sob estresse e provavelmente foram drogados no processo.

 

As estranhezas podem ser divididas em quatro grupos principais, que serão apresentados em episódios futuros. O primeiro deles:

 

DETALHES QUE DIVERGEM
As inconsistências só aparecem quando vemos o processo como um todo, podendo causar estranheza em alguns jurados. A primeira é referente à prisão de Osvaldo Marcineiro, ocorrida no dia 1º de julho de 1992.

 

Osvaldo relata que foi chamado no portão por alguns homens, que queriam fazer uma consulta aos búzios. Ao terem o pedido negado chamam Osvaldo mais uma vez, jogam o homem em um carro e fazem o seu rapto. Na narrativa de Osvaldo em nenhum momento os

homens se identificaram como policiais. Beatriz narra esses eventos de outra forma. Ela estava na festa do filho de Sérgio quando Silvia, sua irmã mais nova, diz que haviam fiscais da prefeitura procurando por Osvaldo. Beatriz estava do lado de fora com seus filhos e entra na casa, quando escuta a esposa de Osvaldo, Andreia, gritar que haviam prendido o Osvaldo.

Se os homens nunca se identificaram como policiais como Andreia poderia saber quem eles eram? Como ela sabia que ele foi preso e contou isso para Beatriz? Os homens se identificaram como fiscais da prefeitura como relata Beatriz ou apenas queriam uma leitura de búzios, de acordo com o depoimento de Osvaldo? Sérgio também relata ter ido até Matinhos procurar por Osvaldo. Como ele sabia que ele estava lá? Quem passou essa informação para ele? A única certeza que podemos ter é que Sérgio parece justificar que essa foi a sua primeira ida até Matinhos e foi isso que fez os policiais relacionarem ele ao crime.  

 


O DEPOIMENTO DE ANDREA

Após as prisões Andreia foi a primeira a prestar depoimento à polícia, no dia 10 de julho de 1992. Seu depoimento é considerado uma das peças mais interessantes do processo, afinal é alguém que apesar de ter alguma estima por Osvaldo também demonstra preocupação com ele.

 

Nesse depoimento ela não aponta Osvaldo como culpado mas dá indícios que não ajudam Osvaldo, em determinado momento, ela diz que “Osvaldo recebe a entidade Zé Pelintra e essa entidade falou a Andreia que Osvaldo gostava muito dela e que se ela o deixasse Osvaldo ia sofrer a chorar lágrimas de sangue o resto da sua vida”. Nesse depoimento também consta que Osvaldo às vezes ficava violento com ela e chegou a agredi-la fisicamente por ciúmes, o que deixou Andreia com medo de terminar o relacionamento. No dia 21 de julho de 1992 Andreia dá outro depoimento, repetindo as mesmas informações com mais detalhes.

 

E sobre a noite do dia sete de abril, a noite onde supostamente o ritual foi feito, ela diz que lá pelas 18:00 ou 19:00, Beatriz e outras pessoas estavam na casa de dela e de Osvaldo. Em algum momento Beatriz saiu com o seu carro e Osvaldo e De Paula saíram pouco depois. Ela não sabe se eles foram para o mesmo lugar mas lembra que os dois homens estavam vestidos de branco e, de acordo com seu depoimento, essas roupas brancas eram o tipo de vestimenta que eles usavam para a realização de trabalhos de sacrifício de animais. Para piorar a situação de Osvaldo, ela diz que na noite do dia 7 de abril não acompanhou os réus De Paula, Osvaldo e Davi a um bar próximo da delegacia, contrariando o que eles falaram em seus álibis.

 

Andreia soube da menção do bar porque recebeu um telefonema de uma mulher que não se identificou e afirmou ser funcionária do local onde os réus estavam presos, o presídio do Ahú em Curitiba. A mulher pedia roupas para Osvaldo e passou o recado que ele lhe pedia para lembrar que estiveram juntos nesse bar no dia 7 de abril. Andreia e Osvaldo realmente foram comer juntos nesse bar porém em outra ocasião, uma vez que dia 7 de abril era uma terça-feira, dia de oferendas, envolvendo compromisso com os clientes.

 

 

BEATRIZ OU SHEILA?
Beatriz sempre diz que os policiais entraram na sua casa no dia 2 de julho procurando pela psicóloga, que seria a sua irmã Sheila, de forma a citar indiretamente a denúncia de Diógenes, sugerindo que tudo não passou de uma armação dele.

 

Duas pessoas também presenciaram essa cena na casa dos Abagge: Airton Bardelli e o advogado Silvio Bonone. Em seus depoimentos eles dizem que os policiais entraram na casa dizendo que estavam lá para prender Celina e Beatriz. No depoimento de Bonone no júri de 1998 ele declara que na casa os policiais entraram procurando por Beatriz e seguravam um papel indicando que Beatriz seria psicóloga.

 

 

SOBRE CASA DAS TORTURAS

Osvaldo diz que viu Beatriz sem roupa tomando choques, Beatriz confirma que isso aconteceu pois foi quando percebeu que Osvaldo estava na casa, chegando inclusive a tentar bater nele quando ele pediu para ela assumir sua participação no crime. Porém no relato de Beatriz sobre as torturas ela afirma que só levou os choques após se vestir novamente, sendo forçada a confessar sobre o crime, e que por estar vendada não sabia o que estava acontecendo ao seu redor mas conseguia ouvir o barulho de algo que parecia um gravador. No depoimento de Osvaldo ele diz viu Beatriz levando choques durante a gravação da fita, o que faria sentido uma vez que ele aparece no início da gravação da fita cassete. Porém não faz sentido ele dizer que só viu Beatriz no momento que ela estava sendo torturada e que ela estaria nua naquele instante. Um deles pode ter feito confusão sobre os acontecimentos ou até mesmo os dois podem estar confusos. Ou então eles podem estar mentindo.

 

 

SOBRE AS PRISÕES DE CRISTOFOLINI E BARDELLI

Cristofolini sempre afirmou que era apenas “um número” no caso todo. No dia 3 de julho, quando foi levado para o quartel, ele ouviu lá dentro um grupo de promotores, procuradores e advogados dizendo que o caso tinha estourado na mídia e que “tinha que ser sete mesmo” e não dava mais esperar.

 

Ambos foram citados nos depoimentos de Davi, Osvaldo e Vicente em Matinhos, realizados na madrugada do dia 2 para o dia 3 de julho de 1992. Por isso o depoimentos dos dois dizendo “vai esses sete mesmo” não parece fazer sentido. A não ser levando em conta que as declarações feita pelos três homens tenham sido de alguma forma adulteradas. E mesmo que isso tenha acontecido, na coletiva de imprensa realizada no dia 3 de julho, eles já citam Cristofolini e Bardelli. Essa coletiva foi realizada de tarde, quando os dois já estavam detidos no quartel em Matinhos.

 

SEGUNDO GRUPO: COISAS QUE SÃO DIFÍCEIS DE ACREDITAR QUE OCORRERAM COMO OS ACUSADOS RELATAM

OS LAUDOS DE LESÕES CORPORAIS

Beatriz e Celina dizem que após as torturas ambas estavam evacuadas e urinadas porém quando vemos os vídeos feitos após as prisões das duas é difícil notar qualquer indício de que isso possa ter ocorrido. No vídeo onde elas assinam o mandado de prisão, Celina está com um casaco sob o colo (a partir dos 33 minutos do vídeo abaixo). As defesas alegam que ela colocou o casaco no colo para esconder a sujeira da sua calça, ainda no mesmo vídeo quando alguém aparece ao lado dela ou por perto não demonstra qualquer desconforto com o cheiro. Grande parte das testemunhas que confirmam o estado delas são testemunhas de defesa, o que pode ter levantados suspeitas nos jurados.

 

 

Beatriz afirma que os choques deixaram marcas pretas nos dedos e que ela teria essas marcas até hoje. No vídeo do ferry boat ela leva as mãos ao rosto e não podemos ver as tais marcas. Nessa fita também não podemos ver o machucado no seu rosto – porém, ambos estão registrados no laudo de exames de lesões corporais realizado no dia seguinte no IML de Curitiba. Talvez a qualidade do vídeo seja apenas baixa e não capturaram as marcas nos seus dedos e rosto.

 

[DOWNLOAD] Laudos Lesões Corporais IML (3 de julho 1992)

 

[DOWNLOAD] Laudo Marcas Dedos Beatriz (Júri 2011)

 

Nos exames de lesões corporais dos sete réus não estão claros que as lesões registradas são resultado de tortura. Os réus alegam que os exames estão desse jeito porque foram proibidos de falar qualquer coisa para os médicos. Essa acusação pode soar plausível para leigos porém para médicos e criminalistas é difícil de acreditar que isso aconteceria.

 

Quando foram presas as duas contavam com a presença de dois advogados que assinaram suas declarações sob protesto mas ao serem levadas para Curitiba tiveram que arranjar um novo advogado. Então que entraram em contato com o advogado Dr. Dálio Zippin, foi ele quem conseguiu fazer com que elas não participassem da coletiva de imprensa e também foi ele quem acompanhou elas até o IML e sugeriu que ela não falassem nada para o examinador. Na época exame de lesão corporal não era comum, ele teve que fazer um requerimento no dia 3 de julho e foi realizado nesse mesmo dia.

 

O médico pergunta porque a pessoa está fazendo aquele exame e se ela tem alguma lesão que gostaria de mostrar. Naquela ocasião dois médicos foram responsáveis por esses exames: os homens foram examinados pelo Dr. Manabu Jojima e as Abagge foram examinadas pelo Dr. Raul de Moura Rezende.

 

O laudo de Osvaldo é mais um momento que ele confessa o crime, descrevendo o trabalho de sacrifício que teria feito com Evandro, o laudo aponta algumas escoriações mas nada que configurasse tortura. Nos laudos das Abagge, as únicas que estavam com um advogado naquele momento, encontramos respostas muito parecidas nas suas declarações. Tendo em vista que já haviam declarado na noite anterior que haviam sido torturadas esse era o momento que isso poderia ser comprovado. Foi constatado apenas cortes e pequenas escoriações na região do rosto e pescoço das duas. As duas se recusaram a responder porque estavam fazendo o exame de lesões corporais.

 

Por conta das alegações de tortura foi aberto um inquérito de investigação para constatar se havia algum tipo de sevícia. Durante a investigação o Dr. Raul de Moura Rezende que examinou as duas, foi interrogado. Sua declaração foi prestada dia 14 de abril de 1994 ele dizia que no dia 3 de julho de 1992 ele estava de plantão no IML quando no período da tarde  foram conduzidas até ele as Abagge. Na ocasião ficou na sala junto com  Manabu Jojima, uma policial militar e inicialmente Celina Abagge. Raul teria perguntado para ela o que havia acontecido e ela teria permanecido calada, até que indagada pela terceira vez respondeu que seu advogado havia dado ordens para ela não dizer nada. Diante de seu silêncio Raul decidiu examiná-la por inteiro e assim que examinou todo o seu corpo minuciosamente ele constatou apenas a presença de uma pequena escoriação, conforme consta no laudo.

 

Em seguida Beatriz também foi examinada e permaneceu igualmente calada e ele seguiu com o mesmo procedimento e, após insistência do médico, ela respondeu que o advogado mandou ele olhar seu rosto e seus dedos polegares. Jojima examinou todo seu corpo e graças ao comportamento de Beatriz foi solicitada a presença do diretor do IML, o Dr. Marcos Parreira. Fora as lesões descritas no laudo nenhuma outra lesão foi detectada no corpo de Beatriz.

 

Sobre a comissão de sindicância que pretendia investigar as torturas há um relatório final da Secretaria de Estado de Segurança Pública datado de 27 de dezembro de 1994 onde consta a que as denúncias feitas pelas Abagge não tem ressonância positiva nos autos uma vez que ambas afirmaram ao serem examinadas no IML que não tinham nada para relatar pois haviam recebido orientação de seu advogado a ficarem caladas.

 

Dálio afirma que no primeiro contato que teve com as Abagge elas não fizeram nenhuma menção a terem sido torturadas. Ele também lembra que Beatriz afirmou ter colocado um absorvente num canto do local onde os policiais levaram ela e a mãe para provar que esteve ali. Dálio acredita que elas não falaram sobre a tortura para ele porque de fato não foram torturadas, uma vez que não apresentavam nenhuma lesão e tão pouco relataram tais fatos para ele quando tiveram oportunidade.