EXTRAS EPISÓDIO 14
Como falamos no episódio anterior as discrepâncias foram separadas em quatro grupos. O primeiro grupo foram os detalhes que divergiam nos relatos dos quatro réus, o segundo é aquele sobres coisas que deviam ser difíceis de acreditar que aconteceram exatamente como os réus relataram.
Continuamos explicando sobre as alegações de torturas e o motivo pelo qual não havia indícios de violência física no laudo de nenhum dos acusados, especialmente em Celina e Beatriz.
DÁLIO ZIPPIN SABIA OU NÃO SOBRE AS TORTURAS?
O promotor Carlos Roberto Dal’Col testemunhou em todos os júris que viu as Abagge confessando o crime no dia dois de julho de 1992, quando foram presas, e somente à noite, em seus depoimentos formais após falarem com seus advogados, é que as duas alegaram terem sofrido tortura, passando a negar o crime. Seus advogados assinaram os depoimentos sob protesto. Segundo esse depoimento de Dal’Col, teria sido um dos advogados que havia sugerido a narrativa de tortura. Mas esta só poderia funcionar se o Dr. Dálio Zippin Filho também fosse informado. Zippin assumiu o caso na manhã do dia três de julho, assim que elas chegaram em Curitiba, e diz que elas nunca relataram para ele as torturas que sofreram. Zippin é um grande defensor dos direitos humanos, ele deveria ser uma fonte confiável ao dizer sobre esse tipo de acusação porém nas matérias de imprensa da época, diferente do que ele diz quando foi entrevistado em 2017, está registrado que ele sabia das alegações de tortura.
Dálio ficou apenas um mês cuidado do caso das Abagge e já se passaram 27 anos desde o ocorrido. Sua memória também parece abalada ao falar sobre os laudos de lesões corporais, nos deixando com três principais divergências:
- Ele mesmo alegou que Celina e Beatriz foram torturadas;
- Mesmo quando o IML afirmou que o laudo não apresentava indícios de tortura Zippin dizia que o laudo apontava sim tais indícios, mostrando que ele defendia essa narrativa mesmo contra instituições oficiais;
- Ele e Aldo Abagge foram uma das vozes que relataram a tortura na época, nas horas ou dias seguintes da prisão.
Tudo isso vai contra o relato recente dele de que o exame de lesão corporal só foi feito porque as suspeitas de tortura já haviam caído na imprensa. Isso pode ser confirmado tanto nas matérias da imprensa feito na época quanto nos autos do processo, inclusive existe um documento escrito por ele, datado do dia três de julho, onde o próprio faz o requerimento do exame. Dez dia depois de assumir o caso, no dia treze de julho, Celina e Beatriz passaram por acareações com outros acusados e em seus depoimentos reafirmaram que foram torturadas. Dálio estava presente nessas acareações.
[DOWNLOAD] Acareações 13 Julho 92
Ao ser questionado que foi ele quem fez o pedido do exame de lesão corporal ele diz que o fez apenas como um procedimento padrão e que na época andava sempre com uma máquina fotográfica e que teria fotografado as lesões se elas existissem. No pedido do exame ele diz “que sejam submetidas a exames de lesões corporais tendo em vista as inúmeras lesões que apresentam após terem sido submetidas a interrogatórios policiais na cidade de Guaratuba”. Dálio também afirma que na época exames de lesão corporal não eram comuns de serem feitos e até hoje ainda não existem um padrão para realizá-los.
O QUE DIZIAM AS MATÉRIAS DE JORNAL DA ÉPOCA
A jornalista Monica Santanna afirma que sua matéria foi a primeira em que Beatriz e Celina dão a versão delas e mencionam as torturas, o que pode ser interpretado como um certo exagero. No mesmo dia em que elas são presas elas já citaram em seus depoimentos que haviam sido torturadas mas também através de seu advogado Dálio Zippin já informaram a imprensa sobre o fato. Talvez o grande público ignorou isso, principalmente porque as gravações já pareciam provar o suficiente a confissão do crime, sem se questionar em quais condições aquelas fitas foram produzidas.
Ao passar dos dias os jornais continuavam relatando que Celina, Beatriz, Bardelli e Cristofolini negavam o que fizeram, afirmando terem sofrido tortura mas Osvaldo, Davi e De Paula continuam afirmando, logo pelas suas delações os outros quatro deveriam também ser culpados, bastava encontrar as provas materiais. Osvaldo, De Paula e davi demoram uns dias até começarem a citar a questão da tortura e quando faziam nunca era diretamente para a imprensa, uma vez que estavam presos e sem acesso aos jornalista.
Durante um tempo todas as declarações dos sete acusados feitas para jornais eram feitas de forma indireta, através de agentes públicos que informavam os jornalistas. Neste ponto a matéria da Monica Santanna ganha importância, uma vez que foi feita diretamente com ela, numa entrevista exclusiva. Celina ainda estava presa quando deu uma entrevista para a repórter Mira Graçano, na época da rede CNT, onde já afirmava que havia sido torturada. Fica claro que elas não estão mentindo quando elas afirmam que sempre falaram das torturas que sofreram. O problema se mantém em acreditar ou não na versão delas.
SOBRE OS LAUDOS DO EXAME DE LESÕES CORPORAIS
Olhando o processo como um todo as alegações de tortura são difíceis de acreditar por dois motivos. Vamos focar nas Abagge, uma vez que elas estavam acompanhadas de advogados:
- As descrições das torturas parecem ser muito maiores do que o que consta nos laudos dos exames de lesões corporais, mesmo considerando a afirmação do Dr. Jojima de que algumas das agressões que elas relatam não necessariamente produziria hematomas. De acordo com as Abagge o laudo estaria reduzido porque os médicos mal teriam examinado elas direito somando ao fato que os policiais que as torturaram teriam acompanhado os exames. Por sua vez os médicos Manabu Jojima e Raul de Moura Rezende negavam que os policiais estavam presentes e em seu depoimentos afirmavam que apenas uma policial mulher estava presente. E sobre a qualidade dos exames afirmam que as Abagge se recusaram a dar muitos detalhes, por recomendação do advogado Dálio Zippin. Por isso de acordo com os relatos dos médicos as poucas lesões que estão registradas nos laudos teriam sido ou relatadas de forma sucinta pelas Abagge ou teriam sido feitas após um exame minucioso que eles dizem ter feito independente do silêncio delas.
- A pessoa que estava sendo examinada deveria apontar os locais de seu corpo onde havia sinais de agressão física. Em um depoimento prestado dia 14 de abril de 1994 o doutor Raul de Moura afirma que após ter sido indagada três vezes se ela tinha alguma lesão a relatar Beatriz aponta para marcas no rosto e nos polegares, dizendo que eram esses os locais que o advogado dela mandou serem analisados. O que se espera é que caso tenha sido torturado o acusado seja instruído pelo seu advogado a dizer que a lesão foi causada graças alguma violência policial ou tortura. Beatriz e Celina ficaram caladas.
O QUE TERIA ACONTECIDO NO IML DE CURITIBA?
Os médicos foram chamados para depor no julgamento de 1998, quando as Abagge foram julgadas. Em seu depoimento o Dr. Manabu Jojima disse que o Dr. Raul era o responsável pelo exame e ele apenas o acompanhou e nesse reafirmou que por orientação do Dr. Raul as duas ficaram apenas de calcinha para serem examinadas de forma detalhada. Beatriz diz que quem examinou ela foi o Dr. Jojima mas a assinatura que consta no laudo é a de Raul Rezende. Raul seria a única pessoa capaz de ajudar a esclarecer essas questões porém seu depoimento nunca chegou a acontecer porque dias antes dele depor em júri ele cometeu suicídio.
A carta de suicídio dele está anexada aos autos, seu teor é extremamente pessoal mas ele cita sobre o depoimento que teria que prestar e que estava sob pressão. Além disso, de acordo com testemunhas, não há possibilidade dele ter sido assassinado. Um familiar do médico afirma que ele já passa por um período depressivo fazia tempo e que alguns problemas relacionados a família agravaram seu estado de saúde. Esse familiar também acredita que o suicídio de Raul seria inevitável e que o julgamento não o influenciou a tomar essa decisão.
SOBRE AS MEMÓRIAS DE DÁLIO ZIPPIN E SEU AFASTAMENTO DO CASO
Dálio diz que apesar dos esforços por parte da família de Celina para que ele continuasse com o caso a família Abagge não queria mais que ele fosse o advogado delas. Dálio não sabe ao certo porque os Abagge preferiram escolher outro advogado mas afirma que chegou a ser ameaçado de morte por um primo delas.. Ele acredita que foi afastado do caso porque se negava a dizer que elas foram torturadas. Para ele o advogado Dr. Osmann de Oliveira tomou o seu lugar porque fez promessas milaborantes para a família Abagge. Mais uma vez Dálio nega que sabia das acusações de tortura mas podemos comprovar que ele divulgou o fato para a imprensa. Além disso o advogado Osmann de Oliveira só assumiu o caso anos depois, perto do julgamento de 1998.
Dálio assumiu o caso na manhã do dia 3 de julho de 1992 e foi afastado no dia 21 de julho. No dia 27 de julho dois advogados assumem o caso, o Dr. Ronaldo Albizu Drummond de Carvalho e Moacir Correa. Dia 28 de julho as Abagge prestaram depoimento a juíza Anésia Edith Kowalski pela primeira vez. A impressão é que a família abagge não estava satisfeita com o trabalho de dálio e preferiram afastá-lo do caso. Não podemos ter certeza das motivações que levaram até essa escolha ou se algum membro da família realmente ameaçou Dálio de morte. A dispensa dos serviços do advogado não foi amigável, como podemos ver no documento que ele redigiu dia 27 de julho de 1992.
Talvez isso tenha afetada as memórias dele, levando-o a ignorar as ocasiões que ele mesmo mencionou as alegações de tortura. No júri de 1998, Beatriz afirma que demorou pra dizer para a sua mãe sobre ter sido violentada e que ela não sabia do fato durante os exames de lesões corporais feito no IML e ao que parece a uma insinuação a menção de estupro apenas do depoimento realizado com a juíza Anésia no dia 28 de julho de 1992, quando Dálio não era mais advogado delas.
Beatriz não relata a violência sofrida de forma tão explícita quanto relatou de outras vezes, dizendo que as ameaças dos policiais prosseguiram mesmo com ela negando sua participação no crime e que diante disso um dos policiais tirou sua roupa e ameaçou ela. No depoimento do Dr. Jojima em 1998 ele afirma que mesmo existindo violência sexual às vezes não existem provas externas que comprovem tal acontecimento. Apesar de tudo Dálio sempre acreditou na inocência das Abagge, principalmente levando em consideração tudo que ele pode ouvir e presenciar na época.