Enciclopédia do caso Evandro

EXTRAS EPISÓDIO 15

Aqui analisamos as alegações de tortura que quando comparadas com os laudos de lesões corporais são pouco conclusivos. Temos o relato de Carlos Roberto Dal’col, o promotor que no dia da prisão das Abagge presenciou elas confessando o crime no Fórum de Guaratuba e mais tarde, após conversarem com seus advogados, ambas passaram a dizer que foram torturadas.

 


2 DE JULHO DE 1992

Três advogados atendiam as Abagge: o Dr. Silvio Bonone que era da prefeitura de Guaratuba, o Dr. Roberto Machado, que era de Curitiba mas prestava serviços para a Prefeitura de Guaratuba e o Dr. Luiz Claudio Cordeiro Biscaia, primo de Beatriz – que é pouco citado no caso provavelmente por causa da relação de parentesco. De acordo com Dal’col, foi após conversarem com os advogados que passaram a alegar que foram torturadas.

Beatriz prestou se depoimento às 19:40 onde diz que não tem nada a ver com o sumiço de Evandro e que foi levada pelos policiais até um local desconhecido sendo bem tratada até chegar lá quando passou a temer sua segurança. Ouviu o choro de sua mãe e foi torturada, levando choques para confessar um crime que não cometeu. esse depoimento foi assinado pelos advogados Dr. Luiz Claudio Cordeiro Biscaia e Roberto Machado, que assinou sob protesto. Duas horas depois do depoimento de Beatriz, às 22:00, Celina prestou seu depoimento. ela também negou tudo e ao final disse ter sido detida na manhã daquele dia, sem mandado de prisão e foi levada até o lugar desconhecido, onde pode ouvir sua filha ser torturada e também sofreu torturas. Seu depoimento foi assinado sob protesto por Silvio Bonone e Roberto Machado.

 

 

3 DE JULHO DE 1992
As Abagge foram transferidas para curitiba, onde Dálio Zippin assumiu o caso e foi ele quem pediu ainda naquele dia o exame de lesões corporais citando  “as inúmeras lesões que apresentam”. No laudo das duas há registros de lesões pelo corpo mas que de acordo com o próprio laudo não teriam sido produzidas por tortura. Elas disseram que foram orientadas pelo Dr. Dálio a não falar nada e em relatos posteriores afirmam terem ficado com medo de falar algo uma vez que os policiais que praticaram as torturas estavam presentes na hora do exame. os dois médicos que fizeram os exames negaram que isso havia ocorrido e em depoimentos futuros disseram que fizeram os exames juntos, se revezando na sala de exames.

Apesar do Dr. Jojima ter sido uma testemunha de acusação no júri de 1998 o depoimento dele parece ter momentos que são claramente a favor das rés. se por um lado ele diz que não encontrou marcas de lesões que condizem com as relatadas pelo dossiê “Tortura Nunca Mais” por outro ele afirma que nem sempre as torturas narradas neste dossiê podem gerar marcas. De acordo com o depoimento dele agressões como tapas no ouvido, socos ou até mesmo violência sexual nem sempre geram lesões perceptíveis. Além disso tanto ele quanto Beatriz relatam que Dálio teria pedido que fosse examinado os dedos das mãos e o rosto de Beatriz.  

 

 

TERCEIRO GRUPO: OS MOMENTOS EM QUE OS ACUSADOS PARECEM SE FAZER DE DESENTENDIDOS

Osvaldo dizia que os torturadores queriam que ele falasse de um Opala preto, carro que Diógenes cita na sua denúncia de 29 de maio. Ele lembra desse detalhe sobre o carro mas diz não saber de onde os torturados teriam tirado esse informação. Será mesmo que no júri em 2004 ele não sabia que era Diógenes que passou essa informação, numa denúncia que o próprio Osvaldo diz ter sido uma armação?

Outro momento em que Osvaldo parece esquecer de detalhes importantes também tem relação a outros elementos da denúncia de Diógenes, mais especificamente no relato de Davina, tia de Evandro, sobre a noite quando Osvaldo e mais um grupo de pessoas foi até a casa da mãe de Evandro fazer uma oração e oferecer ajuda. Mais tarde naquele dia Osvaldo teria levado Davina e seu marido até o local onde dias depois o corpo identificado como sendo o de Evandro foi encontrado. Esses eventos são citados na declaração de Diógenes prestada no ministério público dia 29 de maio de 1992 e numa declaração de Davina no dia 29 de junho de 1992. Essas declarações são a base de todas as prisões.

Osvaldo diz que estava no centro espírita da dona Hortência quando alguém chegou procurando ajuda para encontrar uma criança desaparecida. No depoimento prestado por Beatriz em 1998 ela também narra este momento e aqui temos duas narrativas:

  • De acordo com a defesa essa noite teria ocorrido dia 6 de abril, dia do desaparecimento de Evandro;
  • De acordo com a acusação essa noite teria ocorrido no dia 7 de abril, supostamente o mesmo dia do ritual.

 

Nesse mesmo depoimento Beatriz disse que a parente de Evandro que foi até o terreiro pedir ajuda era justamente a Davina. Nos depoimentos que Davina prestou ela dizia que nunca frequentou o terreiro e dá a entender que o grupo de pessoas que foi na casa dos pais de Evandro oferecendo ajuda foi por livre e espontânea vontade ou se alguém pediu para eles irem não foi ela.

Se Beatriz já havia relatado que era Davina que foi até o terreiro porque Osvaldo não usou isso a seu favor? Talvez ele tenha esquecido do detalhe, perdendo a oportunidade de dizer que a pessoa que fez a denúncia foi a mesma que pediu ajuda deles.


Outro detalhe estranho é quando o juiz Rogério Etzel, ainda no júri de 2004, pergunta para Osvaldo qual era a criança, Osvaldo não lembra o nome de Evandro, mesmo com um caso que dura há tantos anos. A impressão que fica é que ele está se fazendo de desentendido.

 

 

QUARTO (E ÚLTIMO GRUPO): MOMENTOS EM QUE PARECEM QUE OS RÉUS LEMBRAM DEMAIS DE ALGUNS DETALHES

Enquanto Osvaldo parece não lembrar o nome de Evandro ou então sobre os detalhes que partiram da denúncia de Diógenes também temos momentos com riqueza de detalhes, difíceis de acreditar partindo de alguém que sofreu de extrema pressão psicológica.

Quando Osvaldo e Davi dizem que enquanto estavam sendo torturados ouviam duas mulheres datilografando e conversando e notaram detalhes de uma das mulheres – a cor do seu sapato, cigarro, óculos – e chegaram a conclusão que ela era a juíza Anésia Edith Kowalski.

 

2 DE JULHO DE 1992

Quando prestaram depoimento dia no Quartel de Matinhos as Abagge já alegavam terem sido torturadas mas não há menção de estupro. Para a acusação esse é o indício de que ela estaria mentindo e que essa narrativa foi montada depois de conversas com seus advogados.  Essa desconfiança é reforçada pelos depoimentos de Osvaldo, Davi e De Paula, uma vez que em seus depoimentos feitos na mesma noite já apontavam as duas como participantes do crime. Eles repetem os mesmos depoimentos no dia seguinte, quando são interrogados no IML de Curitiba, tanto em gravação de vídeo quanto em depoimento oficial, no mesmo dia repetem suas versões na coletiva de imprensa. Bardelli e Cristofolini foram presos também neste dia.

 

11 DE JULHO DE 1992

Bardelli e Cristofolini  nunca admitiram participação no crime e por conta disso foram feitas acareações com Bardelli, Cristofolini e os outros três homens. Os dois primeiros continuaram negando tudo enquanto os outros três reforçaram seus depoimentos.

Um novo elemento surgiu nessa acareações: Osvaldo, Davi e De Paula passaram a dizer que além de Evandro eles também foram os responsáveis pelo desaparecimento e morte de Leandro Bossi e que Bardelli e Cristofolini estariam envolvidos.

 

12 DE JULHO DE 1992

O delegado Luis Carlos de Oliveira, então encarregado pelo inquérito de Leandro Bossi, foi interrogar os três homens.

 

13 DE JULHO DE 1992

Ocorreram as acareações entre Osvaldo, Davi e De Paula com as Abagge e naquele dia Osvaldo mudou seu depoimento, alegando que também foi torturado.

 

28 DE JULHO DE 1992

Nesse dia Davi e De Paula também mudaram seus depoimentos perante a juíza Anésia Edith Kowalski. Todos os sete acusados prestaram depoimento a ela e teria sido nessa ocasição que Celina teria perguntado a juíza onde ela estava no dia que foram levadas ao Fórum em Guaratuba.

Osvaldo só cita que viu as mulheres batendo máquina pouco mais de um ano depois de ter sido preso, em 13 de Julho de 1993, na segunda versão do dossiê “Tortura Nunca Mais”, elaborado pela Dra Isabel Kugler Mendes. Essa segunda versão era uma versão mais extensa e detalhada da preliminar, realizada em 23 de Novembro de 1992.

 

 

Capa da segunda versão do dossiê “Tortura Nunca Mais”, elaborado pela Dra Isabel Kugler Mendes (download nos links abaixo)

 

[DOWNLOAD] Dossiê “Tortura Nunca Mais” – Primeira versão de 23 de Novembro de 1992

[DOWNLOAD] Dossiê “Tortura Nunca Mais” – Segunda versão de 13 de Julho de 1993

 

 

É possível que aos olhos do Ministério Público o delegado Luiz Carlos de Oliveira tenha sido o responsável por fazer os réus começarem com as alegações de tortura, uma vez que foi depois de conversar com Luiz Carlos de Oliveira que Osvaldo mudou seu depoimento e começou a dizer que foi torturado. Luiz Carlos foi designado para investigar o desaparecimento de Leandro Bossi em Guaratuba, é bom lembrar que ele foi o primeiro a levantar a questão se o corpo encontrado no matagal era mesmo de Evandro e, além, disso ele também era amigo de Aníbal Khury, amigo próximo dos Abagge e figura importante na política do Paraná.

Das quatro teses principais das defesas duas possuem a participação direta de Luiz Carlos de Oliveira, sendo elas: a desconfiança sobre o corpo e que ele teria testemunhado os maus-tratos sofridos pelos réus.

 

 

14 DE JUNHO DE 1992

Anexado aos autos do processo há um vídeo de um comício do o candidato Ananias, então candidato a eleição da prefeitura de Guaratuba em 1992 pelo PDT, que também era o partido de Paulo Chaves, vice-prefeito de Guaratuba na época. Na mesma época a maior figura no cenário estadual naquele partido era Algaci Túlio. Nesse vídeo em alguns momentos é possível ver Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula.

3min00seg: À direita do vídeo, de jaqueta, Vicente de Paula

5min02seg: Osvaldo aparece no centro do vídeo, usando calça jeans e camisa branca

 

Essa gravação é importante pois mostra como o Ministério Público encara a Dr. Isabel Kugler Mendes, autora do dossiê “Tortura Nunca Mais”.

Durante o júri de 2004 o promotor Paulo Sérgio Markowicz de Lima questiona a Dr. Isabel Kugler Mendes sobre presença dos dois homens no comício. Na época, a Dr. Isabel era assessora parlamentar de Algaci Túlio. Paulo Markowicz mostra para ela uma fita de vídeo de um audiência de uma das testemunhas do caso, gravada em 1992. Nela estão vários advogados, o promotor Antonio Cesar Cioffi de Moura e a juíza Anésia Edith Kowalski, entre outras pessoas.

Paulo Markowicz faz novas perguntas para Isabel Kugler Mendes e podemos notar como o Ministério Público tenta tirar a credibilidade do dossiê sobre torturas feito por ela. Quando questionada, ela afirma que na época não falou com o Dr. Cioffi ou com a Dr. Anésia e que nem chegou a se aproximar de Diógenes porque, segundo ela, ele era um homem perigoso. Na época ela teve acesso ao laudo de lesões corporais das mulheres e com isso admite que a pesquisa do Conselho Municipal de Condição Feminina foi feita porque havia uma descrença perante a justiça paranaense, principalmente com provas tão evidentes de tortura.

 

Um novo nome surge nesse júri: Dr. Elaine Sanches, que foi a signatária do pedido de arquivamento do inquérito policial sobre as torturas. Quem é ela e porque ela pediu arquivamento do inquérito?