EXTRAS EPISÓDIO 17
[DOWNLOAD] Declaração Diógenes ao MP (29 de Maio de 92)
[DOWNLOAD] Declaração de Davina ao MP (19 de Junho de 92)
21 DE JULHO DE 1992
De acordo com a denúncia do Ministério Público, de 21 de Julho de 1992, o caso Evandro ocorreu da seguinte forma:
Osvaldo Marcineiro chegou em Guaratuba no início de 1992, fez amizade com as Abagge e foi responsável por realizar alguns trabalhos espirituais para a família Abagge. Com o tempo os trabalhos teriam ficado mais fortes, culminando no momento que Osvaldo teria sugerido o sacrifício de uma criança para abrir os caminhos financeiros. As Abagge pagariam sete milhões de cruzeiros para Osvaldo e Vicente de Paula. Informado disso Airton Bardelli teria ordenado que fosse construído uma casinha de oferendas na serraria, o que foi concretizado.
Na manhã do dia 6 de abril de 1992 Osvaldo, Vicente, Celina e Beatriz teriam raptado Evandro, que foi levado até um local desconhecido e, depois disso, levado por Airton até a serraria. Os funcionários foram dispensados e a criança foi amarrada e amordaçada, para que ninguém ouvisse o seu choro. No dia sete de abril às sete e meia da noite, os sete acusados foram até a serraria e fizeram o sacrifício no menino, suas vísceras foram colocadas no alguidá e este foi colocado na casinha encomendada por Bardelli. Eles teriam se desfeito do corpo nessa mesma noite, num matagal a 1.900 metros da casa de Evandro. O corpo foi encontrado 4 dias depois, no sábado dia 11 de abril de 1992.
Nenhum dos acusados estava sob o radar das investigações do Grupo Tigre, que investigava o caso desde abril daquele ano e eles foram presos pelo Grupo Águia no início de julho. Na verdade houve sim uma suspeita do Grupo Tigre sobre Osvaldo Marcineiro mas que não avançou muito.
OSVALDO COMO SUSPEITO DO GRUPO TIGRE
Leila Bertolini, delegada do Grupo Tigre que comandava as investigações em Guaratuba, relatava que, por conta do centro espírita, Osvaldo poderia ter envolvimento com Beatriz Abagge. Leila então determinou que agentes se infiltrassem junto a Osvaldo Marcineiro, com o objetivo de colher alguma informação. Os agentes ficaram infiltrados do dia 7 de abril até o dia 2 de julho – porém, tal investigação não gerou frutos.
Nesse mesmo julgamento, temos o depoimento de Rogério Podolak Pencai, um dos policiais do Grupo Tigre. Ele afirmava que foram feitas todas as investigações possíveis, mas não conseguiram nenhuma prova concreta contra os acusados. Os policiais fizeram amizade com Osvaldo porém nenhuma informação relevante foi coletada
O promotor Paulo Sérgio Markowicz de Lima questionava Pencai a parte do relatório onde diz com o início das investigações Osvaldo passou a ser considerado principal suspeito do caso e porque a polícia deixou de suspeitar do pai de santo. com isso a acusação queria mostrar que o Grupo Tigre foi manipulado pela família Abagge porque descartaram rapidamente que Osvaldo poderia ser um suspeito e que a infiltração dos policiais poderia ter sido mal feita. Pencai se defende dizendo que nunca procurou um promotor de justiça ou tomou outra medida drástica uma vez que nunca encontraram provas contra Osvaldo.
Leila acredita na pretensão política que Diógenes tinha em Guaratuba e sua motivação contra a administração do Aldo Abagge e sua vontade de direcionar as investigações contra a família Abagge.
Mas o que levou o Grupo Tigre a investigar Osvaldo?
QUEM ERA CITADO NA DENÚNCIA
No seu depoimento, o delegado Adauto Abreu, na época também delegado do Grupo Tigre, afirmava que Diógenes insinuava o envolvimento de Osvaldo com as Abagge. Porém, desconhecia o envolvimento de Bardelli e Cristofolini.
Ao notarem que a defesa de apoia na narrativa da armação política por parte de Diógenes os promotores passam a amenizar o tom nos julgamentos posteriores. a promotoria acusa que o Grupo Tigre descartou suspeitos relevantes, que ignorava as pistas que Diógenes apontava e que isso era feito por conta da aproximação que os policiais teriam com os Abagge.
Seja como para entender como o Grupo Águia chegou nos sete acusados temos que levar em conta que o ponto inicial de tudo foi a denúncia de Diógenes feita pelo ministério público em 29 de maio de 1992 e também a declaração de Davina, tia de Evandro, no dia 11 de junho de 1992. Ambas constam no dossiê Operação Magia Negra do Grupo Águia.
A tese de armação não se sustenta muito, uma vez que Diógenes não cita nem Bardelli nem Cristofolini na sua denúncia e aponta quatro suspeitos nominalmente: Antônio Costa, um comerciante de Guaratuba, uma vidente chamada Estir (ou Astir), Celina Abagge, Osvaldo Marcineiro e seus auxiliares, cujos nomes nem passam por esse caso. Porém em certos momentos do processo a defesa argumenta que a armação de Diógenes não ocorreu exatamente no seu depoimento do dia 29 de maio mas sim durante os 10 dias em que o Grupo Águia já circulava por Guaratuba à paisana.
Ao que tudo indica a polícia militar chegou aos sete acusados através das delações. Os dois primeiros presos, Osvaldo e Davi, delataram Beatriz, Celina e Vicente de Paula. Em sua confissão gravada Beatriz cita Bardelli e por fim apenas na confissão de Vicente é que o nome de Cristofolini aparece.
No geral os sete não eram muito próximos mas alguns tinha uma proximidade maior uns com os outros:
Celina era mulher de Aldo Abagge e de acordo com diversos relatos tinha uma enorme força de articulação política. Beatriz não morava em Guaratuba mas estava de mudança para lá e era conhecida por ser muito interessada em misticismo e frequentava um famoso terreiro da cidade, o terreiro da Dona Hortência, onde teve contato direto com Osvaldo e De Paula. Em algum momento Osvaldo demonstrou interesse em unificar os terreiros da cidade ou montar o seu próprio e Beatriz teria ajudado no processo, chegando a ser tesoureira mas não ficou muito tempo na função. Osvaldo viu nessa amizade uma oportunidade para realizar mais trabalhos, alguns até com o auxílio da prefeitura de Guaratuba.
Osvaldo mudou para a cidade no início de 1992 com sua companheira da época Andreia, que produzia artesanato e queria espaço na feira que ocorria em Guaratuba e por isso ele entrou em contato com o vice-presidente da associação de artesãos da cidade Davi dos Santos Soares e foi quando estabeleceram alguma amizade. Davi conseguiu com a prefeitura um espaço para Andreia e, com isso, Osvaldo aproveitou o espaço para ler búzios, o que incomodou os feirantes locais. Esse espaço foi obtido através de Celina Abagge e quem intermediou tudo foi provavelmente a secretária de Turismo e Esporte Denise Rangel, a funcionária da prefeitura que Celina tinha interesse em lançar como candidata à prefeitura do município.
Vicente de Paula morava em Curitiba mas costumava a ir com frequência até Guaratuba. Amigo de longa data de Osvaldo, trabalhavam juntos em trabalhos espirituais de umbanda, era na casa de Osvaldo que Vicente ficava quando ia até Guaratuba. Osvaldo era vizinho de Cristofolini e Airton era um antigo funcionário da serraria e era gerente do local, sendo considerado quase um membro da família Abagge.
De todas as relações e como elas são relacionadas ao crime as que mais chama atenção são das de Cristofolini e Davi, uma vez que nenhum deles aparece nominalmente nos depoimentos de Diógenes e Davina. Se os sete são realmente culpados temos um indício da eficácia da investigação do Grupo.
O depoimento de Davina é provavelmente o depoimento mais importante para as prisões, uma vez que coloca parte dos acusados em contato direto com a família de Evandro pouco tempo após seu desaparecimento. Nele ela afirma que um grupo de pessoas apareceu na casa dos pais de Evandro disposta a ajudar nas investigações, sendo eles: Antonio Costa, Malgareth Costa, Beatriz Abagge, Carmelita Cristofolini, Osvaldo Marcineiro, Andreia, um tal de “Chêro” e De Paula.
Nessa noite Osvaldo incorporou uma entidade mas não pode prosseguir devido ao cansaço no momento. Após algumas horas Davina e seu marido foram ao encontro deles e outra entidade pediu para que ela fizesse sete oferendas à Cosme e Damião, chamando o nome de Evandro e que ainda incorporado Osvaldo teria perguntado onde ela e o marido achavam que o menino poderia estar. Um dos locais citados, a Rua das Palmeiras, chamou atenção de Osvaldo que começou a perguntar a detalhes sobre ela. A entidade disse que Osvaldo deveria estar presente no momento que as oferendas fossem realizadas porque ele poderia sentir alguma aproximação do menino. O tal de “Chêro” foi junto com ele.
Foi nesse momento que eles rodaram por Guaratuba durante toda a madrugada, chegando na Rua das Palmeiras quando Osvaldo e “Chêro” vasculharam tudo e foi feita uma oferenda. Passaram por uma rua estreita, que chamou atenção de Osvaldo, saíram do carro para dar uma olhada mas acabaram voltando quando Davina chamou pelo marido. Após isso não houve mais interesse em continuar com as oferendas ou com as buscas, sendo que alguns locais previstos para a busca não foram vistos. No dia seguinte o marido de Davina foi até a casa de Osvaldo buscar uma foto e pertences de Evandro que haviam ficado por lá mas após isso nem ele nem Davina tiverem mais contato com eles.
De acordo com a denúncia do ministério público tendo em vista que o ritual ocorreu na noite do dia sete e que eles jogaram o corpo no local logo após isso, naquela madrugada o corpo já estaria lá e é isso que tornaria Osvaldo alguém extremamente suspeito. O que chama atenção é que Osvaldo nega que tenha participado dessa busca durante a madrugada
A IDA À CASA CAETANO
Após o desaparecimento de Evandro, alguém requisitou no terreiro da Dona Hortência uma oração para que Evandro fosse encontrado. Alguns dos acusados dizem que o pedido veio de algum membro da família Caetano, mas Carmen (Carmelita) Cristofolini, mãe de Sérgio e frequentadora do terreiro, afirmou em depoimento formal que teria sido ela mesma. Algumas pessoas do terreiro se propuseram a fazer uma caravana para procurar pelo menino porém Osvaldo não foi com essas pessoas. Vicente foi nessa busca da madrugada junto das outras pessoas e confirma a participação de Osvaldo entre elas.
Sérgio Cristofolini não frequentava o terreiro mas sua mãe Carmen era frequentadora assídua e estava lá naquela noite e teria sido com ela que Davina falou primeiramente quando chegou no local. Num depoimento de 15 de setembro de 1992 Carmen diz que foi ela que pediu para que o grupo fosse até a casa da criança fazer orações.
Vicente de Paula diz que foi com o grupo até casa da família de Evandro fazer as orações que foram pedidas. Após isso ele teria ido até a casa de Antonio Costa jantar pois já estava ficando tarde. Quando ele estava lá Davina e seu marido Mário teriam pedido ajuda do grupo para procurar por Evandro e lá foi combinado de fazer as oferendas para São Cosme e Damião. Ele foi junto com Davi e os tios da criança fazer essa busca por Guaratuba mas diz que outras pessoas foram em outros carros foram também.
Essa dúvida sobre se foi Osvaldo ou Vicente de Paula que foi no carro de madrugada pode ser talvez explicada numa declaração de Diógenes no júri de 2004. Ele afirma que nesse tipo de situação era comum a cidade se unir e se ajudar e que os tios de Evandro foram até Osvaldo e Vicente pedir ajuda. Diógenes e Davina admitem que confundiam os dois homens devido suas semelhanças físicas e que, tempos depois, tinham certeza de que quem acompanhou ela na busca foi De Paula.
Essa confusão demonstra como tanto o relato de Diógenes quanto o de Davina são imprecisos nas suas denúncias. Osvaldo foi o primeiro a ser preso, indicando talvez um descuido na verificação dos fatos. Mesmo após anos ambos continuaram afirmando que era Osvaldo que estava dentro do carro. Apesar de não ter ido fazer a busca com Davina e seu marido, Osvaldo admite que passou na casa dos pais de Evandro depois que saíram do terreiro junto de Antonio Costa, Vicente e os demais.
“Chêro” supostamente seria Davi, mas esse nunca foi o apelido dele. Segundo ele esse seria o apelido de seu cunhado, filho da vidente Estir e sogra de Davi. Foi ela que, de acordo com Diógenes, teria feito uma profecia à mãe de Evandro, como ele explica no seu depoimento em 2004. Diógenes afirma que ela foi até a casa de Maria, mãe de Evandro, e disse que “uma joia muito preciosa seria tirada dela”, antes do Evandro desaparecer.
Em Guaratuba havia pelo menos três pessoas com o apelido de “Chêro” – um deles será mencionado em um episódio futuro.
No relato de Davina há no mínimo dois equívocos: a confusão entre Osvaldo e Vicente de Paula e chamar Davi de “Chêro”. Coincidência ou não, Davi e Osvaldo são os dois primeiros presos na noite do dia 1º de julho. Se por um lado a confusão entre os dois homens pudesse indicar uma falta de averiguação do Grupo Águia o fato deles terem ido atrás de Davi e não de seu cunhado, chamado Juarez, talvez seja algum indício de que o Grupo Águia fez alguma investigação ou de que, como suspeita a defesa, tudo teria sido coordenado por Diógenes.
Tirando o momento em que Diógenes foi até a casa de Aldo Abagge tirar satisfação sobre o impedimento da imprensa ele nunca testemunhou ou participou diretamente de nenhum evento que narra. Ele sempre relata as informação que passam pra ele e que ajudam na sua denúncia. Como é que ele construiu sua convicção de que Osvaldo faria parte de uma seita junto de Celina e Beatriz?
Baseado no seu primeiro depoimento, prestado dia 13 de agosto de 1992, podemos tentar entender como ele montou o caso na sua cabeça para fazer a denúncia. Destacamos oito pontos:
- Os panfletos contra a administração Abagge, produzidos num período de mais ou menos dois anos. É difícil de imaginar que seu ativismo político não tenha influenciado de alguma forma a forma que ele encarava a família Abagge;
- Em 1992 chamava a atenção dele os esforços de Celina para montar um diretório do PST e que isso estaria gerando algumas desfiliações do PDC, partido no qual ele era filiado, levando-o a acreditar que muitas dessas pessoas estivessem recebendo favores;
- No início de 1992 ele teria sido informado por um artesão da feira que a presença de Osvaldo estava criando polêmicas. De acordo com o seu depoimento de 13 de agosto de 1992 ele foi procurado pelo secretário da associação de artesãos pedindo para que ele publicasse em seus panfletos sobre a irregularidade cometida por Osvaldo lendo búzios no local;
- A suposta profecia de Osvaldo sobre “uma grande tragédia que aconteceria em Guaratuba, segundo Diógenes feita 20 dias antes do desaparecimento de Evandro;
- O profecia que Astir teria feito para a mãe de Evandro;
- depois do desaparecimento de Evandro, Beatriz, Osvaldo e outras pessoas foram até a casa dos pais de Evandro fazer uma busca de madrugada e de acordo com o relato da tia de Evandro esse grupo teria levado ela e seu marido para o local onde o corpo foi encontrado dias depois;
- Na semana seguinte ao desaparecimento de Evandro, Celina teria tentado impedir uma manifestação de crianças em memória a Evandro, fazendo Diógenes suspeitar dessa atitude;
- Diógenes declarava que “era de conhecimento público que Beatriz e Osvaldo queriam abrir um centro de sociedade e que para isso já teriam ganho dois terrenos de Ananias, candidato à prefeitura pelo PDT ou um terreno de Aldo Abagge ou vice-versa”.
Osvaldo tinha mesmo intenção de abrir um Centro Espírita e realmente teve ajuda de alguns políticos da cidade e que Beatriz fazia parte do grupo de pessoas que estava formando esse Centro.
Isso é afirmado por várias pessoas entre elas uma mulher chamada Heloísa Corrêa, que teria sido uma das mulheres que foi até a casa da família Caetano. De acordo com o seu depoimento do dia 11 de setembro de 1992 ela e os demais frequentadores do terreiro pretendiam abrir um centro espírita que seria de umbanda e candomblé. Suar irmã também estava nesse grupo de pessoas e confirma essa intenção de abrir esse Centro.
Nesse depoimento de Heloísa um trecho chamou atenção do Ministério Público no que diz respeito às relações que Osvaldo e a prefeitura poderiam ter. Ela afirma que no dia 29 de abril de 1992 Osvaldo utilizou um ônibus da prefeitura para ir até Cubatão fazer um trabalho e que ela, sua irmã, De Paula, Andreia, Davi, Beatriz e mais um grupo de pessoas, exceto Airton e Celina. Para o Ministério Público esse depoimento seria o indício de três coisas: que eles seriam uma seita, que ela seria comandada por Osvaldo e que ele realmente recebia benefícios da prefeitura.
A denúncia de Diógenes forneceu as bases para a formação da denúncia do ministério público e depois houve um esforço para demonstrar com pedaços de diversos depoimentos comprovações sobre as suspeitas. Para a denúncia funcionar, era importante reforçar que a ida das pessoas até a casa da família caetano ocorreu na noite do dia 7 de abril, conforme informado no depoimento de davina. os acusados negam essa data e, de acordo com eles, as buscas teriam ocorrido na noite do dia 6 de abril.