9 – O Inverno Árabe
2 de maio de 2016No nono episódio da série O Coração do Mundo, Ahmed e Elia relatam como começaram a receber as notícias sobre a guerra na Síria. O que se falava sobre ela lá dentro? Quem a iniciou? Qual a diferença desta guerra para outras na história dos recentes conflitos no Oriente Médio? Quem corre perigo? Seria a religião é o maior problema na Síria, como tantas pessoas no mundo acreditam ser?
Convidado especial: Paulo Hilu (UFF).
Arte da capa por Amanda Menezes
Crédito da Foto: Yuri Kozyrev – Homs and Damascus, Syria – May 2014
Lettering por Luiz Amorim
Transcrição
Ahmed: Olha, ela foi surpresa, porque se você quer a verdade, a guerra começou na Síria na televisão e na mídia antes de começar, na verdade, na terra. O problemas que apareceu na televisão, sabe, eles começou falaram, “Ah, teve uma revolução contra o governo”, que a gente não estava olhando nada. Todo mundo estava em paz, sabe, não tem nada. A gente não tá escutando, não tá olhando. A gente não teve um problema… sabe, assim… importante para fazer uma revolução ou para fazer uma… uma problema para mudar o governo. A gente nunca passou isso na Síria. Eu estou falando, eu acho, que em nome da maioria dos sírios, que a gente nunca teve problema com o governo. Mas começou assim porque, sabe, começou os revoluções nos países do lado, Egito, Tunísia, Líbia, não sei, não sei… então, tem gente, tem povo no mundo que eles… querem Síria ficar assim. Então, a guerra começou na Síria na mídia, na televisão, aumentaram… por exemplo, não tem governo perfeito no mundo, mas quando na televisão começou, “Ah, você sabe que tem esse problema”, começaram a ligar pessoa na Síria, e fazer conversação e ligaram pessoa no Estados Unidos, sabe, eles criou um problemas, os problemas que não… são verdade.
Ivan: Isso foi a questão da Primavera Árabe?
Ahmed: Isso não é Primavera Árabe, isso é Inverno Árabe, na verdade, porque… Olha, tudo os países que começou isso Primavera Árabe… Líbia por exemplo, todo mundo entrou lá, Estados Unidos, França, Alemanha, Qatar… todo mundo entrou lá, sabe, atacou o presidente, matou ele, matou família dele. Eu acho que é uma coisa que não é humana, sabe, se você tem problema com presidente porque você tá matando o filho dele, sabe? Então, eles matou todo mundo e agora olha a Líbia, Tem mais de 150 milícias armada terrorista. Então, onde está democracia que todo mundo estava prometendo pro povo lá, né?
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ivan (narração): Olá, pessoal. Aqui é Ivan Mizanzuk, do Projeto Humanos, histórias reais sobre pessoas reais. A esta altura, vocês já devem saber que a atual guerra na Síria é o resultado de uma série de fatores históricos, sendo que o estopim mais próximo se deu na Primavera Árabe, em 2011. Como mostramos há alguns episódios, foi justamente naquele momento em que uma série de países árabes que viviam sobre duradouras ditaduras se manifestaram por reformas democráticas, gerando assim enorme interesse e curiosidade por parte do ocidente. E as notícias que recebíamos aqui no Brasil eram de que a Síria também passava pela mesma situação. O povo nas ruas querendo a queda do ditador Bashar al-Assad, cujo governo, somado com o de seu pai, Hafez al-Assad, já somava 40 anos no poder. E sabendo disso, eu decidi ver com o Ahmed e o Elia quais eram suas opiniões sobre o regime de lá.
Elia: Vou falar o quê? A situação de Síria hoje não é entre nem cristão, nem muçulmanos, nem nada. É todo mundo quer Síria. A Arábia Saudita quer Síria. A política lá de Síria, eles falam é… ditadura, mas não é bem ditadura. Essa presidente que tá lá hoje, Bashar al-Assad, ele guri estudioso, estudou na Europa. Eu tenho uma visão que na época dele que tão lá, melhorou Síria. Bastante. E o pessoal radical, que não entende o que é democracia, querem derrubar ele. Querem fazer igual fizeram com Iraque. Quem tá atrás de tudo isso aí? Estados Unidos, Israel… Querem derrubar Síria. E não conseguiram e não vão conseguir porque povo sírio é diferente de outro mundo. Amam país deles, gostam de país deles. A guerra lá não é entre Síria, povo sírio e Bashar, bem contrário. Tudo que tá lá dentro vieram de fora. Onde tem bandido, ladrão, sem vergonha, mandaram tudo para Síria.
Ahmed: Mas, por exemplo, para ver o guerra midiática, a primeiro mês eles cortou o emissão dos televisões da Síria. Eles não… sabe, não sei porquê, mas eles querem que você fica dependente dos canais deles. Então, eles cortou. A gente ficou assim, sabe, agora…
Ivan: Quem cortou?
Ahmed: O satelite, se chama Arabsat, sabe, a base deles é na Arábia Saudita, então, ela cortou os países da Síria… os canais da Síria.
Ivan: Arábia Saudita cortou?
Ahmed: Arábia Saudita.
Ivan: Ela cortou os sinais de satélite?
Ahmed: Ela cortou, porque o centro dos satelites está no Arábia Saudita. Então, eles não têm direito para fazer isso, porque tem um agreement internacional, assim, mas ela cortou. Então, eles querem que você só fica dependente deles, sabe…
Ivan: Hum hum.
Ahmed: O que ele está falando, eles não querem que você fica sabendo a verdade.
Ivan: Hum hum. Então, a Arábia Saudita cortou o sinal de satélite, vocês ficaram sem televisão?
Ahmed: A gente ficou sem canais de Síria, mas depois…
Ivan: Sem canais da Síria.
Ahmed: Depois, você tem um jeito pra ter outra emissão, sabe, você precisa saber como mudar o satelite, sabe, porque você não pode ficar sem notícias do seu país.
Ivan: Mas a… os canais…
Ahmed: Tem internet, assim…
Ivan: Então, assim, vocês tinham sinais de outros canais de televisão, menos os da Síria?
Ahmed: Sim.
Ivan: Então, vocês ficavam dependendo das notícias que outros países estavam falando sobre o seu próprio país?
Ahmed: Isso mesmo.
Ivan: Você tinha essa questão que aquele noticiário do meu país, ele é mais fiel do que os outros? Era essa a sensação? Vocês precisavam daqueles canais locais pra…
Ahmed: Olha…
Ivan: … porque eles eram mais confiáveis?
Ahmed: Olha, a gente estava na Síria. A gente estava sabendo que não é guerra civil que tá acontecendo na Síria. Não é muçulmano sunita que tá matando xiita, que católico tá matando sunita, sunita tá matando evangélico. Isso não, isso, nunca foi isso, e nunca vai acontecer, porque a gente tá vivendo muito bem juntos, ninguém fala sobre a religião, sabe. Mas aqui que está triste no mundo inteiro, todos os canais do mundo inteiro, particular, do governos. Guerra civil de Síria! Guerra civil de Síria! Guerra civil de Síria! Tá, se é guerra civil de Síria, por que a gente tem terroristas que chegaram da França? Se guerra civil de Síria, por que os terrorista chegaram da Alemanha? Por que os terrorista está chegando do Afeganistão? Por que os terroristas chegando da Arábia Saudita? Do Egito, do Tunísia, do Marrocos… Por quê? A gente tem mais de 150 mil terrorista internacional. De mais de 62 países, sabe. Se guerra civil, por que tem terroristas de fora? Sabe, isso coisa que a gente fica triste, na verdade, discutir na televisão. Guerra civil não é guerra civil. Então, essa é a primeira mentira na mídia, não é guerra civil.
Ivan: Sobre o Assad, gosta dele?
Elia: Gosto sim. Ele é bom para Síria. O que ele tá fazendo correto, o que ele falou vai acontecer.
Ivan: Mas você não acha que ele é um ditador, então?
Elia: Não, se ele era ditador, não acontecia tudo isso aí, ele aliava com Israel e tomava conta de lá com Israel, acabou o problema de vez. Ele único defendia caso de Palestina.
Ivan: E… você pensa a mesma coisa sobre o Saddam Hussein?
Elia: Saddam Hussein não, Saddam Hussein judiava de povo dele. Tem diferença, gente! Sírio, se falar dele, adoram ele.
Ivan: Adoram o Assad?
Elia: É claro, claro. Agora, Saddam não, Saddam era, meu Deus do céu, era bandido. De Líbia, era bandido. Mas ele falava, “Meu povo merece, se eu soltar…” olha o que tá acontecendo.
Ivan: Falam a mesma coisa do Saddam, se não tivessem matado o Saddam, não teria acontecido nada disso.
Elia: Exatamente, exatamente.
Ivan: Por mais bandido que fosse.
Elia: Exatamente. Orra, agora, Bashar, não. Orra, Bashar deu pra você liberdade total, só não vem perto de mim.
Ivan: Mas você acha que isso é justo, um governo assim?
Elia: Eu acho não, tem que ser democracia, ele… povo escolher presidente. Escolheram ele de novo. Daí, fez eleições tudo, ganhou. Mas baixo de quê? Força política.
Ivan: Você acha que foi uma eleição honesta?
Elia: Não. Não. Porque se 17 milhões de sunitas lá, como ganhou ele, se ele 5 milhões? Essa é erro, eu acho erro. Agora, vamos pensar, quem ia vir no lugar dele, quem era candidato? Não tinha candidato que prestava.
Ivan: Podia acontecer a mesma coisa que aconteceu com o Egito agora?
Elia: Exatamente. Tá aí, exército assumiu de novo.
Ahmed: Na Síria um governo que, a gente não tem um sistema democrático, na Síria. A gente tem sempre a situação excepcional, porque a gente está no caso do guerra, a gente nunca teve um caso do paz, assim totalmente, mas mesmo assim… por exemplo, a gente fala esse governo agora, por 40 anos, porque agora a gente tem o presidente Bashar, o pai dele que foi presidente também. Tá, não é… a gente não pode falar, “O governo tá democrática igual a Europa”, mas a povo estava vivendo super bem. A gente não teve esses casos do… sabe, entrar, matar toda família e sair, ninguém vai falar, não. Tem sempre casos que você escuta, “Ah, isso pessoa sumiu… não sei… ele fez alguma… alguma coisa contra o governo”. Existe, né. Mas, normalmente, a vida estava muito legal lá.
Ivan: Mas você podia fazer alguma crítica ao governo, se quisesse?
Ahmed: Você pode. Até você pode, embora por limite. Sabe?
Ivan: Qual o limite?
Ahmed: Você não pode falar tudo, por exemplo. Você não pode criticar o pessoa do… você não pode criticar o presidente, por exemplo assim, “o presidente é… não sei, não sei falar as coisas”, você não pode, pra falar a verdade. Mas também a gente não precisa, que a gente gosta dele. Eu gosto, na verdade, o presidente. Porque ele, na verdade, no época deles, Síria, ele teve uma economia muito forte no Oriente Médio. Sabe que na Síria a gente fabrica tudo, sabe. A gente teve a melhor, é… fábrica de roupa no mundo. A melhor… a melhor algodão do mundo. Então, a gente nunca importou os coisas de embora de Síria, sabe. Tudo. Então, a gente não tem débito por banco internacional. A gente não tem… sabe, a gente nunca perguntou por dinheiro do outro país. A gente tem o nosso dinheiro, o nosso trabalho, a nossa economia. Então, uma coisa que liberdade forte. Então, eu acho que é por isso razão mesmo que todo mundo queria mudar o governo.
Elia: Regime dele tava começando melhorar. Por isso passou pai pra filho, porque tava bom pra tudo os Sírios. Porque pras comerciante era bom. Pra pobre nada é bom, você sabe, cara que não quer trabalhar, pode ir na China, no Japão, na Europa… é vagabundo, vagabundo. Não adianta. Qualquer lugar pra ele não é bom. Mas quem queria trabalhar lá, fazer vida, conseguiu. Síria cresceu demais até. Nunca, Síria não devia um real pra algum. Antes de guerra não devia nada pra ninguém, tudo o próprio dinheiro dele. O dólar, pra você saber, em setenta e …(ouve-se um rangido) cinco, até antes que, vê, até dois, é, dois mil… doze, cinquenta lira síria valia um dólar. Não abaixava e nem levantava. Pra você ver, esse tempo tudo tava dólar mesmo valor. Agora, depois que guerra, claro, hã.
Ahmed: Por exemplo, é… você não pode criticar o sistema do eleição presidencial. Por que a gente não tem o sistema normal, por exemplo, assim muitos presidente vai entrar igual aqui o Brasil, que vai votar por… por pessoa, vai ser presidente. A gente não tem isso, infelizmente, né? Que a gente quer o democracia, sim.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ivan (Narração): Eu tenho que confessar que foi um choque para mim ouvir as declarações do Elia e do Ahmed sobre o Assad. Tanto do Hafez quanto do Bashar. Não apenas eles questionavam a forma como o mundo inteiro considera o governo da família Assad uma ditadura, como também diziam entender o fato de as eleições não serem democráticas. Aliás, essa própria questão de haver eleições é algo que chamou a minha atenção. Assim como o fato de tanto o Elia quanto o Ahmed falarem que a guerra na Síria começou por conta de grupos de fora do país e, portanto, não seria uma guerra civil. Logo, a mídia mundial mente. Na verdade, até consigo entender, fazendo um paralelo quando ouço algum brasileiro dizendo que gostaria que o regime militar voltasse, que não era uma ditadura de verdade, e outras coisas. Mas, sem dúvida, o caso sírio possui suas particularidades. E, por sorte, eu tive pra quem perguntar sobre isso.
Paulo: Sim, claro que era uma ditadura.
Ivan (narração): Novamente, Paulo Hilu, antropólogo da Universidade Federal Fluminense, especialista em Síria.
Paulo: A Síria nunca pretendeu ser uma democracia, a Síria, de certa maneira, era um regime autoritário sincero nesse sentido. Né, ela… inclusive o discurso oficial do regime sírio é que a democracia era algo que levava à degradação moral da sociedade. Tá? Ah… porque obviamente, é… Até os anos 90, a Síria não tinha nenhum complexo em dizer que ela se inspirava no seu grande… no seu grande aliado que era a União Soviética. Então, a democracia ocidental burguesa era visto como algo, né, completamente estranho ao projeto de construção da nação socialista, né. Depois do fim da União Soviética, né, você vai ter é… aí sim… mas isso não quer dizer que não existisse dentro da sociedade síria grupos que lutassem pela democratização. Claro que existiam, né. Nos próprios irmãos muçulmanos, né, durante a sua oposição ao regime sírio, nos anos 60 e 70, né, e parte de 80, eles adotaram o discurso da democracia, né. Obviamente, como eles iam implementar isso, resta ver, né, mas o discurso deles era pela democracia porque, obviamente, eles sabiam que como eles eram a única grande força opositora ao regime, qualquer eleição aberta eles teriam enormes chances de ganhar, né? Então, quando você tem a transição, né, quando morre o Hafez al-Assad e antes da morte dele ele começa a fazer uma série de medidas de liberalização do regime, né, a sociedade síria aposta na transição dinástica, na transição do pai para o filho, né, supondo que o Bashar al-Assad ia levar essas… essas reformas na direção talvez não de uma democracia, mas de um regime aberto, mais liberal, mais includente e com reformas econômicas liberalizantes importantes. Essa era a aposta da sociedade síria. E essa aposta foi, é… traída, de certa maneira, a decepção com o Bashar, ela é enorme, porque, se num primeiro momento ele liberaliza o regime, em seguida ele volta à repressão, que era equivalente à repressão na época no governo de seu pai. E, no campo econômico, embora a liberalização tenha avançado, ela avançou no sentido de enriquecer justamente essa (incompreensível) do poder, em torno do presidente. Então, ela não criou efetivamente um mercado liberal. Então, pra você ter negócio na Síria, você continua tendo de ter relações pessoais com pessoas importantes dentro do Estado. Então, as reformas foram traídas tanto no campo político quanto no campo econômico, com discursos que elas iam acontecer. Né, então, o discurso do Bashar, até hoje, é que ele vai fazer as reformas. Só que ele tá no poder há 16 anos.
Ivan: Mas tinha eleição na Síria?
Paulo: Não. Não teve eleição nenhuma, as eleições existiam, mas eram obviamente fraudadas. Né? Ah, o que você tem, quando eu digo que a sociedade síria apostou, você não tinha manifestações de oposição muito claras, né. Então, você tinha um consenso, as pessoas aceitaram essa transição ser feita à revelia delas, mas, de certa maneira, o clima das pessoas é que elas apostavam que isso ia levar o país na direção, né, de uma real abertura política e econômica. E efetivamente não aconteceu. Mas as eleições na Síria sempre foram fraudadas, né. O presidente era eleito com 99.99% dos votos, né. A campanha eleitoral era cartazes dele com a frase em baixo, “Nós te amamos”. Era um grau de infantilização política da sociedade que só uma ditadura pode ter.
Ivan: É… mas o… é que é engraçado porque eu sei que tinha eleição, eu sei que era fraudada e, se não me engano, tem o negócio de era… só tinha ele concorrendo, né? Só o Assad…
Paulo: Claro! Exatamente. Cara, você tinha ali a piada que sírios contavam, que quando ele recebia, ah… resultado, daí diziam, “Ah, o senhor foi eleito com 90 e… 99,99% dos votos.” Então, ele dizia, “Agora prendam o 0,01%”. (Ivan ri alto, Paulo ri contidamente) Era basicamente isso, entendeu?
Ivan: Aham, sei.
Paulo: É, e aí que tá, os sírios não acreditavam. Eles sabiam que era tudo fraudado. Assim, as piadas eram contadas sem… sem cessar, sobre o presidente, sobre o poder, sobre a corrupção. Ou seja, os sírios tinham uma consciência muito clara de que sistema político governava eles. Ou seja, o que eu disse, a infantilização do discurso político do Estado não se refletia na sociedade. A sociedade sabia muito bem o que estava acontecendo. E isso vai aparecer nos protestos.
Ivan: Mas mesmo aqueles que eram… que gostavam do Assad, sabiam que era fraudado também, né?
Paulo: Exatamente, claro, claro. Ninguém em sã consciência seria um… seria visto como um… um… ou como uma ingenuidade absurda ou como um… um indício de que você tinha alguma relação escusa com o Estado, você em sã consciência, diante de pessoas educadas, falar que aquilo ali era… era realmente um regime representativo. Claro, como existia o policiamento, como existia a polícia secreta, as pessoas eram cautelosas, mas uma vez que elas sabiam que elas tavam em contextos em que elas podiam falar o que realmente pensavam, elas falavam abertamente o que pensavam.
Ivan: Mas o que eu acho, o que eu tô… eu que eu tô querendo imaginar exatamente é como que é essa eleição, porque as pessoas iam votar, de fato?
Paulo: Alguns… o voto obrigatório, tá. Como no Brasil. Então, não tem muita discussão, tem que votar. Ah… algumas pessoas iam votar, outras nem se preocupavam com isso. Era comum uma pessoa levar os títulos eleitorais da família inteira, né, e registrar lá, porque você não precisava realmente votar. Né, você tinha…tem um caso de um amigo meu que levou os títulos da família toda e chegou lá e falaram, “Ah, não precisa não, a gente já fechou a urna mesmo”. (Ivan ri) É, ou seja… Mas, de certa maneira isso não é tão estranho, nós também tivemos eleições durante a ditadura e boa parte das eleições era roubada, né. E as pessoas participavam, né. Então, a eleição, ela é muito mais um ritual de mobilizar a sociedade em torno de uma questão política, do que realmente, né, um instrumento de representação.
Ivan: É que eu imagino a cédula, só com o nome do Assad, assim, sabe.
Paulo: Mas aí tinha a possibilidade, era sim ou não.
Ivan: Ah! (ele ri alto)
Paulo: Uhum. (ambos riem) Exatamente. Sim ou não. O próximo referendo, quer dizer, quando o poder passa para ele, houve um referendo pra saber se queria que passasse o poder pra ele. Mas você dizia, “Sim, quero” e a outra opção, na verdade, não era “não”. Era, “Pode ser que sim” (Ivan ri), ou coisa que o valha. E por aí vai. Mas tudo isso era irrelevante, porque todas essas… e aí é que tá, os sírios sempre souberam disso? Todas essas eleições eram fraudes, tá, eram maneiras de… do governo, do… do poder forçar a sociedade a se mobilizar. E claro, não que as pessoas se mobilizavam realmente, porque também era uma ocasião pra você conseguir, talvez, novas relações com o poder, né. Lá a eleição também é uma ocasião pra você, de repente, se fazer visível pro poder. Então, a Câmara de Comércio de Aleppo fazia enormes outdoors em campanha pro presidente. Porque era uma força de “Olha, tô com você, por favor me, né, mantenha nossas boas relações”.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Elia: Único ataque que teve na Síria contra muçulmano radical, a pai dele, a pai dele, chegou e derrubou ele. Se não, ia acontecer pior do que tá acontecendo hoje.
Ivan: Uhum.
Elia: Era também facções de fora, de Jordânia, um grupo, só muçulmanos radical, e hoje tô vendo essa Daesh, que não respeita ninguém. Só mata, mata, mata. Raptar crianças, mulher, vender crianças, vender a mulher pra outros. É um barbaridade, nunca vi nenhum…nem na Corão, nem na Bíblia, o que eles tão fazendo, entendeu? Não tem nada a ver… Na época, Hafez al-Assad atacou, pessoal radical queria derrubar eles também dentro de Síria.
Ivan: Uhum.
Elia: Só. Depois de lá pra cá nunca teve nada, nada, nada.
Ivan: Sim… É, porque eu já vi, ah, muita gente falando que principalmente na região de Aleppo houve bastante ataque do governo contra o próprio povo. Mas se você diz que foram apenas contra radicais…
Elia: Não, não tem contra povo, não. Hafez al-Assad queria eliminar tudo, ele eliminava.
Ivan: E teve ataques do… tanto do… do governo do pai quanto do filho, anterior a 2010, ao próprio povo?
Paulo: Sim, claro. Quando você tem a primeira insurreição contra o governo do Hafez al-Assad, ah, você tem um período de intensificação dos combates, de 79 a 82. E termina com uma insurreição na cidade Hama, liderada pela Irmandade Muçulmana, que sim, também cometia uma série de atentados e ataques terroristas e tudo mais, mas de novo, a proporcionalidade não se… não… não é comparável. E o que o Hafez al-Assad faz, ele corta a cidade de Hama, bombardeia e destrói a cidade praticamente toda. O centro da cidade, o centro histórico da cidade é totalmente destruído. Ah, não se sabe quantos mortos, porque ele manda que os bulldozeres passem e enterrem todo mundo nos escombros da cidade. Então, diz-se, calcula-se entre 5.000 e 25.000 mortos, né, em Hama. Então, ah, na verdade, o que o Bashar tenta fazer é reeditar a política do pai, que é resolver militarmente uma situação de insurreição, só que a situação era muito diferente, né, e as condições eram muito diferentes, né. E isso degenera na guerra civil que a gente vê hoje em dia.
Ivan: Sim, sim. Ou seja, é uma panela de pressão que foi… que em algum momento ia estourar, né?
Paulo: Sim, e o que é mais triste, lamentável, é que efetivamente, até o último momento, o Bashar tinha um capital político muito grande. Ele era muito popular, né. E ele ainda é em boa parte da população síria, né. Então, ele poderia ter feito uma série de reformas cosméticas, se fosse o caso, e manter, de certa maneira, o poder ou se manter como uma figura de transição no poder. Mas ele fez a opção militar. Por exemplo, isso foi o que as monarquias do Golfo fizeram quando tiveram protestos. Né. Omã, os Emirados, eles fizeram uma série de reformas. No Marrocos, o rei do Marrocos fez eleições, a Jordânia, mesma coisa. E eles mantiveram o poder com uma série de reformas que permitiu que os protestos fossem controlados de forma não militar, né. Mas o Bashar fez uma opção militar. Foi uma opção, desde o início.
Ivan: Havia algum grupo que era mais perseguido em específico? Por exemplo, curdos e sunitas, antes de 2011?
Paulo: Ah, você tinha uma política de…por exemplo, os curdos sempre foram discriminados, por um lado. Por outro lado, o regime também tinha uma série de modus vivendis e de acordos com os curdos.
Ivan (narração): Para quem não sabe, o povo curdo é considerado o maior povo do mundo sem nação. Após a Primeira Guerra Mundial, havia sido prometido que eles teriam seu próprio país. Mas esse acordo acabou não sendo cumprido. O povo curdo encontra-se hoje espalhado principalmente por três países: Turquia, Síria e Iraque. E foi por conta, inclusive, do ataque que Saddam Hussein fez contra o povo curdo que ele acabou sendo condenado à morte. Hoje, por conta dos conflitos contra o Estado Islâmico, o povo curdo tem ganho mais destaque na mídia, especialmente na região do Curdistão Iraquiano, tendo em vista que eles são a principal força militar que combate os terroristas. E como bem disse o Paulo, o povo curdo sempre foi muito discriminado por todos esses países. Às vezes oficialmente, como no caso do Iraque de Saddam Hussein, às vezes por questões regionais e culturais, como no caso da Turquia e Síria. E como o governo sírio da família Assad era um que pretendia proteger minorias, tendo em vista que eles representavam uma, a dos alauitas, acabou tomando medidas de proteção para os curdos também.
Paulo: Então, o regime se apresentava por um lado, né, como um regime opressor. Por outro lado, era um regime que reconhecia alguns… ah, direitos culturais dos curdos e tudo mais, e sempre fazia um jogo com as minorias… O jogo do regime com as minorias era o seguinte, basicamente, de alimentar os piores pesadelos das minorias. Então, o regime fazia com os curdos o seguinte, “Olha, eu deixo você celebrar suas festas, ter lá sua… uma certa autonomia cultural, e quando eu desaparecer, você vai ter que se virar com uma maioria árabe no país. Então, o que que você prefere?” Então, os curdos tinham essa relação ambígua com o poder, né, e o regime fazia esse jogo que era, ao mesmo tempo, reprimir e, por outro lado, fazer com que eles fossem instrumentalizados para determinados fins. Então, por exemplo, quando você tem a pressão em Hama, em 82, as tropas que estão em Hama são todas curdas. O regime faz isso porque isso garantiu durante décadas, né, o ódio de boa parte dos militantes islâmicos são os curdos, que sempre foram vistos como lacaios do regime, né. Então, isso garante, por exemplo, que os curdos nunca vão se aliar a uma oposição islâmica, né. Por outro lado, eh… os curdos que têm, claro, um movimento político próprio, eles também sempre tiveram dificuldades de diálogo com a população, né. Então, você tem a chamada Primavera de Damasco, grupos curdos se reúnem com o… a oposição clássica ao regime, né, do Bashar al-Assad, e eles pedem, né, que eles… o seguinte, que eles apoiariam o grupo, desde que a oposição assegurasse que uma vez que se restaurasse um regime democrático na Síria, a Síria seria simplesmente República da Síria e não República Árabe da Síria. A oposição recusa e os grupos curdos rompem com a oposição. E agora, nos protestos, a mesma coisa acontece e isso permitiu que o regime fizesse um acordo com os curdos. O regime retirou suas tropas das áreas curdas e os curdos impedem que os grupos de oposição atuem nelas.
Ivan: O… Até também falando de antes da… das revoltas recentes, uma entrevistada minha, ela citou que teve um massacre que teria ocorrido na cidade de Aleppo, ali na década de 80 pra 90. Cê sabe me dizer o que é?
Paulo: Não, não é de 80 pra 90, é em 1980. Então, essa… esse episódio que eu falei em Hama foi em 82. Em 80, Aleppo tem uma prévia disso. Aleppo entra em… em insurreição e o regime usa a mesma tática militar. Só que ele não destrói a cidade, ele destrói alguns bairros, tá? Mas você tem, por exemplo, no centro da cidade, os soldados com metralhadoras, simplesmente matando todo mundo que tava na rua. Tá? Tem relatos e relatos de pessoas que tavam no mercado, chegaram os soldados com metralhadoras e simplesmente abriram fogo na multidão, pouco se importando se aquilo ali tinha ou não tinha a ver com a oposição. Né, era uma prática, era uma tática realmente de aterrorizar a sociedade. Então, isso acontece primeiro em Aleppo. Então, depois que Aleppo é pacificado, você tem insurreição em Hama. E, aí, o regime lida de maneira ainda mais brutal. Porque… só pra, só pra completar, em Aleppo, em 79, que é um dos primeiros episódios da insurreição contra o Hafez al-Assad, você tem o massacre na Escola Militar de Aleppo. Você tem uma base da aeronáutica, uma escola da aeronáutica lá. Então, você tem o… justamente o exército, né, como sempre, você tem uma presença grande dos alauitas, uma turma de cadetes que se formaram, todos alauitas. E você tem um grupo ligado à Irmandade Muçulmana que entra e mata todos os cadetes. Ela podia tá se referindo a isso também. E esse é o episódio que desencadeia, né, a escalada de violência, que depois vai ter o massacre, né, da população de Aleppo, depois vai ter em Hama e tal.
Ivan: Uhum. É que… isso daí era uma análise que eu tava vendo também, que o… uma coisa que diferenciou muito, a chamada Primavera Árabe do Egito, em 2011, e pra o que aconteceu na Líbia e depois na Síria, é que no Egito, o governo não respondeu atirando bala pro povo, né. Enquanto que…
Paulo: Tentou.
Ivan: Tentou…
Paulo: Tentou, mas o que acontece no Egito é que lá pelas tantas, o próprio exército percebe que a opção militar era insustentável. Então, o exército se recusa a seguir as ordens. Mas eles tentaram, tá? Não sei se cê lembra deles usarem fuzis e, como na Síria, grupos paramilitares, inclusive os cameleiros que ficam lá nas pirâmides, que é um bando de… obviamente um bando de mafioso, né, que eles vem com as máfias e os camelos correndo pelas ruas do Cairo, e eles batendo com porrete na cabeça dos manifestantes, quebrando a cabeça dos manifestantes. Não sei se cê viu essas imagens. Mas o regime tentou usar algumas das táticas que o regime Sírio usou, só que não deu certo. E, daí, o exército prefere, é… se livrar do ditador pra manter a ditadura.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Elia: Hora que começaram… na Líbia… na Egito… lembra? Teve revolução na Líbia e na Egito, mataram o Khadafi, depois foram, tiraram o centro de poder de Egito. Falei, “Opa! Vai chegar na Síria isso aí”.
Ivan: 2011, né?
Elia: Exatamente, começaram na Líbia, chegaram na Egito, vão invadir Síria. Já Iraque, era na mão de americanos. Então, Bush entrou lá, tomou Iraque, Afeganistão. Agora, a questão já tava desenhado. Eu falei, “Ah, é chegar na gente”, chegaram na Líbia, Iraque já era, aí, vai chegar vez de Síria. Ninguém acreditou…
Ahmed: Tem um lado do… do meu apartamento lá, um rua, que minha mãe, eu estava lá. Minha mãe ficou me ligando, “Ah, onde você tá?”, eu falei, “Estou nessa rua”. “Ah, volta, volta!”, “Por quê?”, “Tem manifestação”, “Mas mãe, não tô olhando nada”. Sabe? E não… é isso histórica, na verdade, ela aconteceu com todos sírios, todos sírios. Tem coisas que ficou mentira.
Ivan: Era mentira?
Ahmed: Mentira.
Ivan: Quem que tava fazendo essa mentira?
Ahmed: É o mídia.
Ivan: Por quê?
Ahmed: Porque eles quererem, sabe. Tem um provérbio, “Mente, mente até que vai ser verdade”, né? E assim começou, começou na mídia, sabe. É… eles começou concentrar sobre as coisas do governo, o lado ruim dela. Depois, começou, começou, começou… até agora, a gente tem o Daesh, o ISIS, né, o Estado Islâmico, que não tem nada, nada ver com islã.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Você… olha, você fica, sabe, assim… com cabeça muito pesada, sabe. O que tá acontecendo? O que a gente precisa fazer? O que vai ser depois? O que… o que é o futuro do nosso país? A gente… será que a gente vai ser igual o Iraque? Será que a gente vai ser igual o Líbia? Será, será, será? Sabe. Será que a gente vai ser igual o Líbano? Então, você fica com dúvidas, na verdade. Uma coisa eu acho que pior sensação no mundo, que você não sabe o que é o futuro do seu país. Porque não é coisa do economia, o governo, eh… ela vai fazer essa regra, ela vai, talvez, diminuir o salário, aumentar salário. Coisas, isso não… sabe, não… não vai ficar mais importante. Mas tá pensando no país, se o país vai ficar, não ficar. Entendeu? Então, um sensação horrível, sensação ruim que você fica no televisão 24 horas, você… você precisa aprender, entender o que tá acontecendo aqui. Cada televisão tá falando uma coisa.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ivan (narração): Como ouvimos, o Ahmed defende que a guerra começou na mídia, que não existia guerra civil, já que não seria o povo sírio que estaria lutando contra o governo. E que os conflitos começaram muito mais por grupos de fora, especialmente de países como Israel, Estados Unidos e Arábia Saudita, inimigos históricos da Síria, pelos motivos que já mencionamos. E as intenções principais seriam petróleo e localização geográfica. E só pra deixar claro, o Elia me falou a mesma versão. Por incrível que pareça, essa narrativa é mais comum do que imaginamos. E uma boa parte da população síria, especialmente os que estão vindo para o Brasil, não acreditam que a própria Primavera Árabe síria tenha sido iniciada pela população local. E são vários os porquês dessa narrativa ser tão forte. E, ao entendermos eles, podemos entender melhor um pouco do espírito atual sírio.
Paulo: O grande drama da insurreição síria é que ela não mobiliza a sociedade toda. Então, você tem uma sociedade que fratura, já no início dos protestos.
Ivan (narração): Quando ocorre a primavera árabe, no início de 2011, a Síria vê-se palco de conflitos contra o regime de Bashar al-Assad, que então já se encontrava no poder há 11 anos, além de todo o período que o seu pai ficou, há quase 30. As revoltas populares começaram no interior do país, especialmente entre camponeses que se viam os mais afetados pelo regime de Assad.
Paulo: Então, as áreas rurais, as cidades industriais, a… as médias cidades entram em revolta aberta.
Ahmed: Então, o guerra começou na mídia antes que começar na terra e, depois, a gente estava olhando, ah, essa cidade que eu nunca teve escutando o nome dela, por exemplo, antes. Essa cidade, ela fez revolução, army de Síria entrou em guerra.
Paulo: As grandes cidades, Aleppo, Damasco, a burguesia das cidades e as minorias não aderem à revolta, né. As minorias não, os representantes institucionais das minorias. As igrejas e as lideranças religiosas alauitas não aderem a… Por que, né? Entre outras coisas… a classe média urbana se beneficiou da política de liberalização, tá. A sociedade síria é uma sociedade extremamente complexa, né. E é uma sociedade, e é um país extremamente descentralizado, ao contrário do Egito, ao contrário da Tunísia. Então, no Egito, se você ocupou a praça Tahrir ou em Tunís, se você ocupou a Avenida Bourguiba, acabou! Fim de jogo! É isso, o governo caiu. Agora, onde é que é o centro simbólico da Síria? Damasco? Aleppo? Aonde em Damasco? Na cidade medieval, nos bulevares modernos? Ou seja, é um país que não tem um centro, tem vários centros.
Ahmed: Porque a revolução, se você vai estudar isso, você é professor de história, você vai ver só os capitais que tem ideias políticas, que sabem o que é justo e injusto, que sabe direitos. Eles que… o revolução precisa começar na… no capital, na cidade grande. Mas, olha, tudo cidades grandes da Síria tá com governo.
Paulo: Então, é muito mais difícil você realmente criar, né, um momento em que você possa dizer que a sociedade rejeitou aquilo ali.
Ivan (narração): Em um primeiro momento, o governo tentou reprimir e as respostas eram muito violentas. E com o passar do tempo, as revoltas começaram a ganhar os grandes centros urbanos, especialmente nas cidades de Homs, que é a terceira maior cidade do país, logo depois, Aleppo. Damasco, a capital onde Ahmed morava, foi um dos últimos lugares em que os conflitos passaram a ocorrer. Geralmente na periferia e em ações muito rápidas.
Paulo: Fora isso, né, as condições de vida eram muito distintas, como eu disse. Então, o que você tem na Síria é uma revolta dos pobres que, no início, não tem dimensão sectária nenhuma. Então, nas socie… nas cidades costeiras, cristãos, alauitas, drusos vão pra rua protestar também. O que acontece é que, bom, as cidades grandes não entram em revolta, o regime manipula as diferenças religiosas pra tentar, justamente, criar essas divisões. Então, desde o início, acusam manifestantes de serem fundamentalistas, da Al-Qaeda, etc. etc. etc. Sem nenhuma evidência disso, né. E, quem… quem vê os protestos, os protestos pediam liberdade, democracia, participação, e você tinha cristãos participando, tinha alauitas, tinha drusos pobres, né, participando disso.
Ivan (narração): Em um primeiro momento, então, você tinha uma parcela da população, especialmente trabalhadores e camponeses, se revoltando contra o regime. Grupos de insurgência lutavam contra o governo de Assad e eram fortemente reprimidos. As seções foram aumentando consideravelmente.
Paulo: Claro, desde o início, na Síria, você tem um… vocabulário religioso nos protestos, isso é verdade. Mas esse vocabulário religioso é idêntico ao nacionalismo religioso que o próprio governo do Bashar al-Assad estava instilando no país há dez anos. Então, como o regime sírio se vê em dificuldade em 2005, ele começa a adotar uma retórica religiosa enorme, quando ele é expulso do Líbano, né, por pressão internacional, ele começa a adotar uma retórica religiosa aberta. Aquela coisa, tá, é um regime secular, mas nunca hesitou em usar a religião pros seus interesses. Então, o que os manifestantes tavam fazendo, usando a linguagem religiosa, era, de certa maneira, jogar o jogo do governo. Simplesmente, virar o espelho contra ele. É… então, por exemplo, boa parte dessa burguesia urbana que continua preferindo o regime do que uma insurreição, porque se beneficiou do regime, porque desconfia da insurreição, porque tem diferença de classe em relação à insurreição, porque tem diferenças regionais em relação… Por exemplo, Aleppo sempre foi a sede da oposição na Síria, era o grande centro de oposição. E, estranhamente, Aleppo não adere à insurreição. Tá, os bairros populares sim, mas a… a classe média aleppina, que sempre foi anti-regime, não adere. E eu falei com um amigo meu que eu sei que era anti-regime, que tinha ido pra prisão (inaudível), e ele falou pra mim, “Não, Paulo, não dá. Como a gente vai seguir alguma coisa, se começou em Deraa?!”. Deraa é a primeira cidade, né, que… área rural, fronteira com a Jordânia. Ele disse, “Essas pessoas não têm ideia do que possa ser democracia”. Então, você tinha também essa questão, que é uma questão de esnobismo de classe, mas também a ques… a ideia de que se não começou em Aleppo, não pode ser legítimo. Então, cê tinha essas diferenças regionais muito claras, né. Então, o movimento que começa em Deraa não vai ser seguido pela classe média de Aleppo, né. E, claro, é… essas diferenças vão impedir, né, que… a insurreição ganhe, né, uma presença muito grande nos grandes centros e ,além disso, né, você começa a ter também, eh, estratégias do regime pra aumentar ou pra fragmentar ainda mais a oposição, principalmente do ponto de vista religioso. Então, por exemplo, cê tinha manifestações como numa cidade como Labier, que tem cristãos, tem alauitas… alauitas e tem muçulmanos xiitas. Bom, depois da manifestação, o regime bombardeava os bairros muçulmanos sunitas ou soltava os grupos paramilitares, a Shabiha, né, que saíam de casa em casa matando as pessoas. E, os bairros cristãos e de bairros alauitas continuaram tocados, né. Claro, os cristãos e alauitas que participavam dos protestos também sofriam violência, mas era uma violência indireta, era mobilizada a partir das famílias e das comunidades. Então, a família de um manifestante alauita ou cristão recebia uma visita da polícia secreta. Se ameaçava, dizia, “Olha, se vocês não cuidarem deles, todo mundo vai perder o emprego ou vocês vão pra cadeia etc.”, e a própria família silenciava esse manifestante. Às vezes com violência física, né. Então, por exemplo, você tem uma atriz alauita, né, Fadwa Suleiman, que vai… vai pra Homs, participa dos protestos em Homs, etc. Você tem uma entrevista com ela que ela diz o seguinte, “Eu não tenho medo do governo, porque eu sou famosa demais pra eles me matarem, mas eu tenho medo da minha família”.
(EFEITO SONORO: UM TOM DE PULSAÇÃO GRAVE)
Paulo: Isso mostra exatamente essa estratégia do governo. Essas minorias, quem cuidava delas… Então, é uma violência invisível. Ora, se o dia seguinte seu bairro foi destruído, sua família foi assassinada, etc. e você vê a outra pessoa, que também participou, nada aconteceu, em teoria, né, com ela ou com a família dela, você começa também a desconfiar que ela é um agente. Então, o… as estratégias do regime também começam a consolidar essa ideia de que minoria apoia o regime e muçulmano sunita tá contra o regime. Que é tudo o que o regime queria pra criar essa ideia de que você tem uma insurreição islâmica contra o regime.
Ivan (narração): Nas primeiras semanas de protesto, em 2011, o presidente Bashar al-Assad liberou alguns detentos de presídios para as ruas. E as interpretações sobre este ato variam. Alguns defendem que essa foi uma forma de tentar apaziguar algumas demandas de manifestantes, tendo em vista que haviam ativistas presos, cuja liberdade era exigida. Contudo, entre os prisioneiros liberados, haviam membros da Al-Qaeda.
(EFEITO SONORO: TOM GRAVE DE IMPACTO COM REVERBERAÇÃO)
Ivan (narração): Algumas interpretações sugerem que ele teria feito isso como forma de radicalizar os insurgentes de forma proposital, para que então pudesse atacar com mais força e mostrar que ele era importante, que ele não devia sair do poder, já que ele seria o único capaz de proteger a população. Independente dos motivos verdadeiros, o que aconteceu foi uma associação de desastres. Milícias se formaram por vários lados. Uma delas, o Exército Livre da Síria, chegou a receber armamentos dos Estados Unidos, que apoiavam a queda de Bashar al-Assad. No entanto, à medida que os conflitos iam avançando, com forte represália do governo, muitos grupos foram se radicalizando cada vez mais, e o cenário ficando cada vez mais tenso. E foi neste clima de incerteza geral que o autointitulado Estado Islâmico se fortaleceu.
(EFEITO SONORO: TOM GRAVE DE IMPACTO COM REVERBERAÇÃO)
Ivan (narração): Lembrando, este grupo terrorista é resultado da Al-Qaeda iraquiana, antigamente comandada por Zarqawi, morto em 2006, e atualmente comandada por seu sucessor, o psicopata ainda mais perigoso chamado al-Baghdadi, um muçulmano iraquiano das vertentes ultraconservadoras Salafismo e o Wahhabismo.
Ivan: É, inclusive… essa história, então, de que o Assad teria liberado terroristas presos, isso foi verdadeiro mesmo, isso… Por que ele fez isso?
Paulo: Ele esvaziou as prisões (ele limpa a garganta). Ele realmente esvaziou as prisões. Né, isso aí… isso é uma estratégia clássica, o Saddam Hussein também fez isso. Porque, obviamente, se você tá argumentando, né, que você tá lutando contra forças, né, do radicalismo islâmico etc., sem que isso ainda esteja presente, né, essa era uma das estratégias para justamente permitir que esses grupos começassem a aparecer.
Elia: Ele tinha bomba, podia tacar. Ele só tá tacando onde tá as radicais que tão lá. Essas… porque hoje tem Daesh, tem (incompreensível), tem monte de grupo de fora, entraram na Síria, que nem são sírios, e querem tomar Síria, Aleppo, pra escravizar povo sírio. Que povo sírio não queria tudo essa guerra. Pessoal de fora mexeu dedo deles, fez tudo essa barbaridade que tá acontecendo.
Ivan (narração): Não é à toa que o jornalista irlandês Patrick Cockburn, um dos mais importantes no mundo na questão do Oriente Médio, defende em seu livro “A origem do Estado Islâmico” que o grupo terrorista é o resultado direto de ações militares desastrosas dos Estados Unidos. Invasão ao Iraque, vácuo de poder após queda de Saddam Hussein, vácuos de poder gerados após mortes de líderes da Al-Qaeda iraquiana, mau planejamento em geral etc. Essa sua opinião fica bem clara no subtítulo do livro, “O fracasso da guerra ao terror e a ascensão jihadista”. E ele não é o único analista que coloca nas costas dos Estados Unidos a responsabilidade pela existência do Estado Islâmico, assim como a forma que ele saiu do controle. Contudo, hoje em dia, já não há muitas dúvidas de que o governo Bashar al-Assad, intencionalmente ou não, também contribuiu para o fortalecimento de grupos radicais como o Estado Islâmico, já que a radicalização do movimento insurgente seria uma forma de fortalecer o seu governo. O que nos chama a atenção e dificulta o entendimento do cenário sírio por parte de nós é perceber como essa tática foi eficaz, a ponto do próprio povo aceitar essa versão da história, acreditando que os conflitos que hoje existem lá são por ações de grupos estrangeiros. E claro, por conta de toda a desconfiança histórica, Estados Unidos, Arábia Saudita e Israel são os principais acusados.
Ahmed: Todo mundo gosta do governo lá. E depois, na verdade, a gente começou a rece… receber os terroristas do todo o mundo. Na verdade a gente agora tem um base do terrorismo na Síria que é internacional. É uma coisa tristeza. É uma coisa muito triste por que a gente estava vivendo super bem, sabe. Eh… muito paz, muito tranquilo, todo mundo estava bem lá. Mesmo se fosse da classe média, a gente nunca sentiu uma crise, a gente nunca sentiu uma falta, sabe. Um país estava maravilhoso por viver.
Ivan (narração): Talvez você se lembre, mas quando os conflitos começaram na Síria, em 2011, havia muitas notícias que diziam que havia uma forte pressão internacional, especialmente por parte dos Estados Unidos, para que Assad renunciasse. Na época, Putin, presidente da Rússia, aliada da Síria, basicamente falou, “Aqui, não”, uma referência clara à invasão dos Estados Unidos no Iraque, a partir de 2003.
(INÍCIO DE CLIPE DE ÁUDIO: MATÉRIA TELEJORNALÍSTICA)
Marcos Uchôa: O G20 era um palco perfeito para que os dois lados defendessem suas posições, afinal a imprensa mundial cobre o evento. Cada um entrincheirado em sua convicção. O presidente americano, Barack Obama, a favor de uma ofensiva militar contra a Síria. Ele acusa o ditador Bashar al-Assad de ser o responsável pelo ataque com armas químicas, há duas semanas, nos arredores de Damasco. Do outro, o presidente russo, Vladimir Putin, um dos principais aliados da Síria. O consenso aqui era pouco realista, já que o meio termo entre atacar a Síria e não fazer nada sempre foi impossível, tal a distância entre as duas posições. (ouve-se a voz de Vladimir Putin ao fundo, em Russo) Putin defende o caminho de uma resolução da ONU, porque sabe que tem o direito de veto no Conselho de Segurança. Ele culpou os rebeldes pelo uso de armas químicas e deixou no ar uma ameaça.
(VLADIMIR PUTIN FALA EM RUSSO)
Marcos Uchoa: “Vamos ajudar a Síria?” perguntou Putin. “Vamos”, ele mesmo respondeu.
(FIM DO CLIPE DE ÁUDIO)
Ivan (narração): Hoje em dia, praticamente não recebemos mais notícias sobre pressões para que Assad saia do poder. Por um lado, isso se dá por conta do posicionamento da Rússia, que vê em Assad um aliado. Por outro lado, há um sentimento agora de que, como o próprio Assad disse, é ele ou o caos.
Paulo: Quanto mais a insurreição ficou com uma fachada, com uma cara de insurreição radical islâmica, mais o Bashar ganhou força na arena internacional.
(EFEITO SONORO: TOM DE PULSAÇÃO)
Paulo: Por que também isso é uma outra coisa, o regime, ele… ele se contrai e isso é uma estratégia que o próprio Saddam Hussein usou no Iraque, né. Ele abandona território e se concentra, pra depois declarar guerra à própria sociedade e recuperar militarmente esse território. Então Deraa, todas essas cidades médias, Hama, Homs, foram abandonadas pelo regime. A própria Aleppo. Aleppo foi conquistada, assim, pela… parte de Aleppo foi conquistada pela oposição, sem maiores batalhas. Por que o regime prefere concentrar suas forças pra depois atacar militarmente e usar isso como, eh, forma de consolidar seu poder absoluto. A grande questão na Síria é que o regime não confia no seu próprio exército. Então, boa parte do exército sírio tá enquartelado. Só algumas unidades, que aí sim são comandadas por pessoas ligadas ao Bashar, seja por família ou seja porque são membros da comunidade alauita, né, que tão participando. E o poderio militar do regime só, realmente, começou a crescer quando o Hezbollah entra, né. E por isso que Hezbollah entra na guerra civil da Síria. Ele entra como exército auxiliar do Bashar. E os iranianos também começam a mandar, eh, combatentes pra Síria.
Ivan (narração): Então, em resumo, para entender o que acontece na Síria hoje, temos que pensar nessa sequência: conflitos históricos, Tratado Sykes-Picot após a Primeira Guerra Mundial, tensões oriundas da Guerra Fria, o 11 de setembro, a invasão ao Iraque, a Primavera Árabe por parte da população que exigia a queda de Assad e um clima de instabilidade política e violência generalizada que permitiu o crescimento de grupos radicais. O autointitulado Estado Islâmico é só mais um deles. E claro, milícias de todos os lados. As que combatem o governo Assad e o Estado Islâmico, as que se unem ao Estado Islâmico, as que se unem ao governo contra todo mundo e por aí vai. Dito de outra forma, é todo mundo contra todo mundo. E salve-se quem puder.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Eu estava dirigindo meu carro e eu queria ligar minha irmã, que é farmacêutica.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Foi um sentimento burra, sabe. Eu fiquei, sabe, assim, não sei porque. Não sei, e não li nada no televisão, assim, não assisti nada no televisão, mas eu fiquei assim, uma coisa que tá falando pra você, “Liga ela, liga ela”, e eu liguei.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Então, eu liguei ela, liguei, liguei, liguei, insistiu, ela não responde. Liguei, liguei, liguei, sabe. E fiquei muito chateado. Eu parou o carro e… comecei ligar minha mãe, e o casa e ninguém respondia. Sabe, eu fiquei maluco.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Eh, não sei porque, quando eu não respondi, eu estava sabendo que tem uma coisa ruim. Eu acho que… que coisas existem entre irmãos e irmãs, que parece… ela vai aparecer quando tem um situação sério, sabe.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Então, eu liguei ela depois, sabe, assim, acho que cem vezes eu liguei ela, sem parar. Depois ela… ela respondeu e estava chorando. “Mas o que tá acontecendo com você, por que tá chorando?” Eles colocaram uma carro-bomba em frente do escritório dela.
(SOM DE BOMBA EXPLODINDO)
Ahmed: Graças a Deus, Graças a Deus, sabe, que ele protegeu ela, ela saiu algumas segundos antes que o carro foi bombardeado. Então, tudo… tudo vidro caiu, muitos morte, muitos machucado, sabe, assim. Então, um coisa assim… Mas você fica, sabe, assim, um pouco relaxado quando ela fala com você, só falar, “Estou bem, não fica preocupado, estou bem”. Então, dois, três vezes assim. A vida ficou muito ruim, muito ruim.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: 2010 começou, começou nos lugares que você nunca vai escutar nome deles. Depois ela começou a aumentar, aumentar, aumentar, até eles começar a colocar carro-bombas no cidade, sabe, carro-bombas no cidade, atacar Damasco com míssil, sabe, assim, pra matar qualquer um. Eles quer só matar.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Elia: Vou falar de meu irmão que tá lá, sem uma perna, ele tá sozinho lá. Tem apartamentos, tá alugado, vive sobre aluguel lá. Não tem ninguém levar pra ele um pão para comer. Ele com uma perna. É certo, sentido ele com idade quase oitenta anos e não tem ninguém. Mas lá… Eu acho as vizinhada, lá, tão ajudando ele. Esse meu tristeza, ele ficou sozinho lá. Mulher dele foi com filha dela, mora na Estados Unidos. Ele abandonado depois dessa idade, oitenta pouco anos. Esse aí, tô meio magoado, sentido. Falei pra eles, se quer trago ele, eu cuido dele aí. “Não, não, deixa ele”. E caiu um monte de botijão de gás perto de casa dele lá. Graças a Deus só atingiu vidro, essas coisas. Ele tá bem. Ele morar, como falei, bairro cristã.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: A gente estava morando no fronteira da guerra. Nossa… nossa bairro lá estava, aqui o governo, aqui os terroristas. Todo os dias tem atacaram, eles atacar esse bairro e governo queria atacar eles. Um coisa muito complicada.
Ivan: Você… passou a fazer parte do seu dia-a-dia?
Ahmed: Muito, muito, muito. Uma coisa que você não pode acreditar, na verdade. Pra ver, assim, Damasco, de noite igual o manhã, sabe. Muito luz por causa dos muitos bombas, muitos míssil está atacando Damasco, sabe. Um guerra, um guerra, sabe. A… a único diferença que a mídia fala guerra civil, mas não é guerra civil.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Damasco foi muito famosa com jasmim, o flor do jasmim. Todos apartamentos, todos casas de Damasco precisam ter um planta do jasmim. Então, eh, a gente tem um tipo do jasmim muito famoso que existe só no Damasco. Se chama Jasmim Damasco, sabe. Eles estão usando este jasmim para fazer perfumes assim… Então, depois da guerra a gente não sentiu o cheiro do jasmim mais. Tem… esse cheiro do morto, sabe. Tem cheiro sempre feio, tem cheiro do… não sei… não sei como explicar isso, mas um cheiro totalmente diferente. Um cheiro que… que é muito feio… não é isso… não é Damasco, isso aqui não é Damasco que a gente sabe. Isso aqui não é nossa cidade mais, sabe. É um cidade de mortos. É uma cidade cheiro dela mudou. O… os edifícios mudou, o… o plantas mudou, o gente mudou, tudo mudou, sabe.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Olha, olha, você fica… você tá embaixo do ataque, você não sabe se você vai morrer ou não. Então, eu acho que fica na sua cabeça que você reza. Você reza, reza, reza demais… eu acho que nunca minha mãe chorou na vida dela igual nesse período lá na Síria. Nunca.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Uma vez, os terroristas atacaram Damasco muito forte. O, nosso bairro, na verdade, demais. Então, o que a gente tem um… um lugar que mais segurança é o… é o banheiro porque tudo isso é cimento armado, né, então, que não tem janelas, então toda família estava lá por dez horas… Acredita isso? A família inteira no banheiro porque a gente estava, sabe… “Aqui tem janelas, aqui tem janelas”. E você não sabe de onde o boleto vai entrar. É um sensação horrível. Horrível mesmo, horrível.
Ivan: Vocês ficaram rezando?
Ahmed: O que você vai fazer? Quando você sabe que ninguém vai proteger você, só Deus. Você vai rezar por Deus, sabe. Mesmo se você vai ter filosofia, “Ah, não acredito, não sei”. Mas quando você tá muito perto por… por morrer, ninguém vai ficar na sua cabeça, só Deus.
Ivan: Vocês… Qual que era a reza de vocês? Você poderia falar um pouquinho sobre ela?
Ahmed: Você… O que você acha que você vai dizer?
Ivan: Não, eu sei, é que, é que…
Ahmed: Embaixo da guerra assim, no meio da guerra, você vai rezar que Deus proteja sua família, mais do você. “Por favor, Deus, não me deixa… não me deixa ver uma coisa ruim com a minha família, por favor Deus, proteja eles”.
Ivan: Qual era a sua reza automática em árabe… é árabe, né?
Ahmed: É. A gente fala para a proteção, por favor, Deus, nos proteja.
Ivan: Como é isso em árabe?
Ahmed: “يا رب إحمينى, يا رب إحمينى بلد”, sabe?
Ivan: Sim… é que eu, com… formação católica, a gente apela pro Pai Nosso direto, assim, né, que, daí, a gente já tem, “Pai nosso que estais no céu…” tudo certinho.
Ahmed: Você não precisa, na verdade, ter um… palavras assim muitos… muitos arrumadas, sabe, igual à Bíblia, o Corão, porque o razão… uma relação forte entre si e o coração, isso é o Deus. Então, às vezes, você não precisa falar palavras, você só precisa acreditar que Deus vai proteger você e ele vai proteger você. Isso que é um religião, isso que é um fé em Deus, que é mais importante do palavras. Porque o… o reza do Deus não é matemática. Não é “Eu vou falar uma palavra e vai acontecer alguma coisa”. Culturalmente é diferente, um reza por Deus você vai rezar, você vai acreditar que Deus existe e ele vai proteger você. E então qualquer coisa você vai falar, mesmo se você vai falar palavras erradas, mas mais importante é que Deus está escutando e você precisa acreditar que ele tá escutando você, ele vai proteger você. Isso que é mais importante. Qualquer palavra, qualquer língua, qualquer sentimento, é mais importante que você precisa acreditar que ele vai… vai proteger você.
Ivan: Eh, eu até… queria te perguntar o que você acha desse pessoal que diz… vou te falar exatamente o que eu ouvi esses dias, que o islamismo é uma religião violenta e que o terrorismo é um problema islâmico.
Ahmed: Beleza. Isso, na verdade, é a mídia que tá falando isso. Mas eu quero perguntar pra você uma pergunta. Síria, uma país que os mulçumanas e católicas estão morando juntos. Fez mil e quinhentos anos. Se Islã é um religião radical, por que agora apareceu o terrorismo? Por que antes… por que os muçulmanos não mataram os cristãos? Então, isso pergunta, você precisa pensar muito profundo nele, porque se Islã é um país radical, ele fala que matar todo mundo, por que até agora a gente tem as igrejas mais antigas do mundo? Por que até agora a gente tem católicos, evangélicos, por quê? A gente estava um país mais grande, mais forte no… numa época lá na história antiga, né. Ninguém vai falar pra você, “Não mata” ou “Faz ou não faz”. Mas não aconteceu isso. Até agora tem cristão sírios, meus vizinhos, minha escola, porque islã protegeu eles e ainda está protegendo eles. No Corão, no Corão, se você vai abrir, você vai ler uma frase no Corão muito clara que os cristãos são protegidos por Deus e você não pode machucar ninguém deles, você precisa respeitar o religião deles, os igrejas deles, participar com eles na tristeza e no felicidade. Isso existe, tem regras no Islã para respeitar os cristãos. Tem regras que protegem você mais do eu. Os taxas que cristão paga por governo islâmico, sabe, quando a gente tava um país islâmico, sabe. É muito mais menos que o muçulmano paga. Então, uma coisa que totalmente diferente, totalmente errado. Os muçulmanos, eles ficaram no Espanha e Portugal oitocentos anos, qual religião agora do Espanha? É cristão, porque a gente não matou ninguém. O Islã não deixa você matar ninguém. O guerra no Islã você pode matar o que tem arma, ele vai matar você. Isso que… isso o único, ah, posição quando você pode matar. Mata o pessoa que pode atacar você no seu país. Isso é seu direito pra defender o país. Mas mesmo tem pessoa que, sem arma, tá falan… tá xingando seu Deus, seu profeta, seu Corão, não tem direito pra matar ele. E isso é a nossa religião. É isso a nossa história.
Elia: Eu lembro uma história, cara sentado lá na baia ou na rua, chegou… que chama? Uma bombinha, um pedacinho de bomba entrou na nuca dele, derrubou ele. Eu conheço essa família. Cara lá parado, não tem nada, não tá… Chegou, caiu uma bomba, aquele chamam gás, botijão de gás, eles põem pra explodir lá… chegou, enfiou na… e caiu. Fiquei triste, sim, porque conhecia essa família.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: A escola do Nurallah, a escola dela, o mesma escola católica, dezessete vezes foi bombardeada. Dezessete vezes.
Ivan: Ela tava lá?
Ahmed: Ela tava lá!
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Elas ligaram, “A escola foi bombardeada”, “Onde tá Nur?”, “Não sei, ela tá na escola”, “Liga ela, liga escola!” Sabe, você quer ligar, não tem mais linhas… sabe, um situação muito estressados, sabe, muito triste. Você quer saber se ele tá machucado, se não tá machucado. Então… infelizmente é assim, infelizmente é assim…
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Você fica sem pensamento. Você pensa só no Nurallah, o que tá acontecendo?
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Os terroristas, eles tem armas mais modernas que nós, infelizmente, tá. De onde essa arma tá chegando, quem tá mandando, quem tá treinando? Ninguém sabe, vamos falar assim. Então, dezessete vezes eles bombardeau a escola do Nurallah. Dezessete vezes. Ela estava de boa estudando, a escola precisa tudo ligar pras famílias, “Ah, por favor, venham levar sua filha, tem bomba que eu não sei… o polícia chegaram”, sabe. Uma coisa muito feia, muito feia. E na verdade, eu rezo por ninguém do mundo vai ver isso.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ivan: Você… como foi ver a Nurallah, quando você viu ela viva, como é que foi a sensação depois?
Ahmed: Olha, o Nurallah, ela foi um presente de Deus, né… ela é um presente de Deus mesmo que… não sei, acho que é ela que deixa a nossa família unida, na verdade, sabe. Não sei por quê, mas… ela é um anjo que todo mundo ama ela. A gente é… Para nós, pra mim, é igual minha filha, né. Não é só uma irmã caçula, é um filha. Todo mundo tá olhando pra ela assim. Então, quando você tá escutando, vai escutar uma notícia horrível e depois você vai ver ela boa, você não quer nada mais. Você vai agradecer a Deus, é a melhor coisa no mundo. Que ela está intacto, né. Não tem nada com ela, graças a Deus, não foi machucado. Sabe, neste momento, você vai esquecer a vida inteira. Você não quer nada mais.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ivan: A escola da Nurallah, você me falou que foi bombardeada 17 vezes. Na primeira vez, vocês já não pensaram em tirar ela da escola?
Ahmed: A gente pensa ser certo, mas todas escolas foi bombardados. As terroristas, elas tem um objetivo, né, na Síria. Mata todos pessoas que tem sorte fica. Mata todos… mata todos médicos, todos professores, e mata… e bombarde todas escolas. Tem um projeto para quebrar o sistema educacional de Síria. E isso coisa que existe, porque a primeiros dias que a gente não… sabe, não apareceu nada, a gente só estava escutando que isso professor foi assassinado, isso professor… eles matou ele. Isso professor, isso prof… o melhores professores do país, sabe. A melhores cabeças do medicina, a melhores cabeças do odontologia, a melhores cabeças do arquitetura, a melhores cabeças do… cada… cada domínio do ciência, sabe… do universidade, foi assassinados. Coisa triste. Por quê? Ninguém estava sabendo por quê. Quem tá fazendo isso? Mas agora a gente ficou sabendo. É… eles bombardou todas escolas na Síria. Então, a escola do Nura, ela foi do mais, porque é escola católica, mas outras escolas foi também bombardados. Sabe… que não tem lugar mais, mais seguro, por isso a gente teve que sair do país. Você não sabe quando você vai morrer. Eles coloca bomba-carro no… no mercado. No mercado do… do vegetais. No mercado… no mercadorama. Não… todos lugares, não tem um lugar que fica tranquilo, não existe, porque se não tem bomba-carro, eles vai atacar você com míssil, sabe… os míssil, que a gente chama ele “mortars”, né. Então, com mortars. E mortars tá sem olhos, elas quer só fazer um situação de insegurança total.
Ivan: Mas eu tô… Uma coisa que me deixa curioso, e isso eu quero entender, é que eu imagino que quando um colégio vai ser bombardeado, e ele é bombardeado uma segunda, terceira, quarta, quinta vez, na segunda vez, eu já diria, “Talvez seja melhor nem ir pra mais escol… nem ir mais pra escola”. O que acont… eu quero entender, por que que continua indo?
Ahmed: Sabe o quê? Quando você tá na guerra, tem uma resistência interior do você. Você fica sabendo que tem terroristas, diablos, que tá chegando, tá tudo mundo pra deixar você sair. Então, você quer resistir, “Não, eu vou continuar trabalhar no… neste lugar… eu vou continuar estudar neste lugar… Eu vou continuar ir pra universidade”, sabe. O governo fica falando isso por você, você fica falando isso por você mesmo, por sua família, mas você vai… vai chegar numa ponta que a vida não… não dá pra continuar, sabe. Porque eu acho que tem a sensação, sabe. O país… é igual o mãe, é igual o pai, é igual irmã, igual filho, sabe. É muito triste ver ele machucado. Então, você quer ficar lá, você quer… sabe, ajudar. Você quer, sabe… fazer alguma coisa por parar isso, mas você vai chegar numa ponta não tem nada pra fazer, sabe. Se você vai ficar lá, eles vai matar você, sabe. Mesmo se você vai ficar no sua casa, a míssil vai bomb… eles vai bombardear sua casa. Quantos famílias morreu no interior do casa deles? Por quê?
Ivan: Então, você diria que é uma questão de honra continuar indo pra escola…
Ahmed: Isso…
Ivan: … continuar indo pro trabalho?
Ahmed: É isso mesmo.
Ivan: É honra?
Ahmed: Isso mesmo. É verdade. Até você vai chegar num momento que não dá pra continuar, não. Porque o primeiro vez, o governo fala, “Não, a gente já matou eles, esses terroristas, a gente bombardou eles”, mas a segunda, “Ah a segunda foi uma coisa”, a terceira, sabe, assim… depois, não dá.
Ivan (narração): Um relato como o do Ahmed mostra bem a realidade do que é uma guerra de dentro, da perspectiva do cidadão comum. Enquanto nós estamos aqui, confortáveis em nossas casas, vendo a guerra pela televisão ou pela internet, é muito cômodo fazermos grandes análises políticas e históricas sobre a Síria, dizendo isso ou aquilo dos que estão lutando. Mas no fim, entender uma guerra é muito mais difícil quando é a sua escola que foi bombardeada.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ivan: Você, eh… chegou a ver algum ataque? Presenci…
Ahmed: Pessoalmente, não, mas com minha irmã, sim. Uma farmacêutica, na verdade, que… olha, o carro-bomba, e depois um sniper, que queria matar ela, que foi diferença do dois centímetros entre a cabeça dela e bulleto do… do sniper, eh… eh… o mi… o miss… do lado do casa onde minha mãe estava, também… então, sim, mas pessoalmente, não.
Ivan: Como foi esse caso do sniper?
Ahmed: É, a gente… sniper, você não sabe onde ele está, né. Ele tem uma… um… um arma que vai atacar você com distância de dois, três quilômetros, pelo menos. Então, ela estava saindo do… do edifício, eh, ela fechou a porta, a porta do edifício é uma porta pesada do metal, sabe. Ela… ela… ela… eh… fechou a porta e ela escutou uma voz, boom, sabe? Igual bomba, mas quando ela olhou assim, ela… ela viu o… o bulleto ali no interior da… do, do porta. Dois centímetros, ela estava, entre a cabeça dela e o bulleto. Graças a deus, sabe, que… Deus não quer… não quer deixar minha mãe triste.
Ivan: Uhum… era… e era um sniper, daí.
Ahmed: É, sniper.
Ivan: Cês… isso era comum?
Ahmed: É, na verdade, isso uma… uma história simples, mais simples. Tem histórias muito feias lá que… tem histórias muito feias, muitos feias que não é bom falar, na verdade.
Ivan: Uhum… você prefere não falar?
Ahmed: É melhor, é melhor.
Ivan: Tá. É que… eh, eu obviamente respeito, mas é… gostaria só que também tivesse a noção que é muito importante pra nós entendermos essa experiência através desse relato, porque a gente não tem noção. A gente, quando vê isso… uma coisa que eu quero fazer com… com essa conversa é passar esse sofrimento que vocês tão tendo pra que a gente tenha uma noção clara do que tá acontecendo, porque as pessoas tão começando a achar que vocês… tem gente que acha que vocês, pelo simples fato de estarem vindo da Síria, são terroristas infiltrados.
Ahmed: O que você quer mais, por exemplo? Vamos falar isso. Os terroristas tá em… tá chegando todo mundo, né. Então, imagina rapaz do França que tá chegando pra Síria, ele não tem nenhum família lá, ele não tem coração… ele não vai ficar triste por matar os sírios, ele tá matando o pai, o… filhos, frente do mãe e filhas, e depois, ele com amigos dele, eles vai fazer… fazer uma coisa ruim com meninas, e filmando isso num vídeo e colocar no YouTube. O que você quer mais do isso? Uma… uma mulher grávida, ela está entrando os… os casas do… apartamentos, e quando eles vai achar um mulher grávida, eles tá cortando o barriga dele, e filmando isso no YouTube. O que você quer mais de isso? Já está colocando o bebê do dois, três dias no forno, frente do mãe dele. Coisas que… que você não pode acreditar que o… o homem pode fazer isso. Coisas horrível. Eles tá… tá roubando mulheres do rua, sabe. Eles são animais, na verdade, esses terroristas que tá falando Estado Islâmico, que eles não são árabes, não são islâmicos, não são muçulmanos, nada, nada na verdade. Que tá chegando pra Síria só pra ganhar mais dinheiro possível, está gan… está recebendo salário muito alto, e depois, ele tá achando mulheres na rua. Ele quer uma mulher, então ele vai roubar ela, filmando ela, matar ela, joga ela na… na rua. O que você quer mais de isso? Uma coisa horrível, horrível, que aconteceu na Síria.
Ivan: Você…
Ahmed: Na verdade… desculpa.
Ivan: Não, fica tranquilo.
Ahmed: Dez dias atrás, o massacre do Paris… você viu o massacre do Síria? Dois centos filhos… dois centos crianças, do nove até dez anos, eles colocaram elas na rua, mataram eles em dois minutinhos. Tudos eles estavam orbeu… tudos estavam… estavam… estrangeiros, estavam falando “Allahu Akbar”, Deus é… é… gran… Deus é… é mais forte. E o sotaque dele, é, parece que, igual quando eu vou agora ensinar você um palavra do árabe e você não vai falar. Impossível, sabe. Mesma coisa. Dois centos… dois centos crianças, e você pode ver isso agora no internet. Escreva que dois centos crianças foi assassinada no Raqqa, cidade se chama Raqqa no Síria. Crianças… não é muçulmanos, não é católicos, não é des… não é armados, não é nada. Crianças, nove anos. Eles colocaram elas assim com mão, eh… amarradas no atrás e mataram eles juntos. Dois… dois minutinhos, eles mataram dois centos crianças. Sabe o quê… dois centos crianças? Um cidade! Um cidade! Dois centos crianças sírios foi assassinados. Muçulmanos, cristão e judeu, juntos. Ninguém falou uma palavra.
Ivan: Eles fazem isso pra acabar com a população…
Ahmed: Na verdade, o que tá acontecendo na Síria, isso coisa do refugiados, do imigrante… uma coisa que… que todo mundo quer deixar Síria vazia. Quando você vai ver que… o seu vizinho, eles entraram, roubaram o… a esposa dele, a filha dele, mataram ele, roubaram tudo, queimaram o… o apartamento… o que você vai fazer? Eles cortaram o eletricidade por cidades lá, por uma, dois meses. Como você vai viver sem eletricidade agora? Sem água. Eles tá cortando água por cidades inteiras. Como você vai viver?
Ivan: Você chegou a perder alguém?
Ahmed: Muitos. Muitos. Muitos amigos, muitos… sabe… isso é guerra, né?
Ivan: Você… quem que você perdeu que você mais sentiu?
Ahmed: Ah… (suspiro) olha, eu tenho amigo que eu perdi lá, que estava na arma da Síria. Matou ele. Matou ele numa maneira muito feia também. Mas ele é… ele estava defendendo o país dele, isso a diferença. Arma da Síria tá defendendo nós, ela tá defendendo o… o mundo inteiro, porque se esse terrorismo vai ganhar na Síria, na verdade, o mundo inteiro não vai ficar tranquilo, sabe. A gente tá fazendo guerra, é… um lugar do todo mundo. A gente tá fazendo guerra pra defender o mundo inteiro.
Ivan: Uhum. Você… você saberi… você pode… se você quiser, não precisa. Eu queria que você contasse sobre como foi perder alguém, como é que você recebeu a notícia, como é que você sentiu a notícia. E quem foi.
Ahmed: Olha… Você tá perguntando, assim… perguntas muito… emocional, na verdade, porque… a notícia do tristeza, ele não tem definição, sabe. Você vai ficar triste, você não pode dar mais definição do isso. Você vai ficar, sabe… sem palavras, você… você vai ficar triste mesmo. Então, como eu vou explicar isso, eu não posso. Não posso dar definição por isso. Como eu vou receber um notícia do tristeza é igual todo mundo, mas… problema da Síria é que todos os dias têm notícias triste. Todos os dias, todos os dias, todos os dias, sabe. Quando os terroristas… eles não… não vão matar o pessoas, eles tá bombardeando nossa história. Você viu a cidade, se chama Palmira, lá na Síria? Uma história do mils, é mils do anos. O problema é que ninguém tá falando, ninguém tá reclamando no mundo. “Deixa eles, porque esse… porque governo é… não é bom pra nós”. Então, o que você quer? Você quer que esses terroristas mata o nosso governo, mata o Bashar al-Assad? E depois? Pra onde a gente vai? Se Bashar al-Assad vai agora… tá bom, ele é pessoa muito ruim, vamos falar isso, vamos matar ele. E depois?
Ivan (narração): Percebem como é complicado? Por um lado, Bashar al-Assad é sim um ditador, é um criminoso de guerra, boa parte da população síria queria um governo mais democrático, não eram ignorantes sobre a sua ditadura. E grande parte do caos que existe hoje no país é por culpa de medidas desastrosas de Assad, que fortaleceram milícias radicais. Mas e aí? O que fazer agora? Para piorar, o Estado Islâmico declarou o seu califado em 2014. Mas como já falamos, o grupo já vinha agindo há anos, e ganhou enorme força após a invasão dos Estados Unidos ao Iraque em 2003, quando ainda era a Al-Qaeda iraquiana, e há quem diga que tirar Saddam Hussein do poder foi essencial nisso, pois ele, com mão de ferro, controlava grupos terroristas que surgiam na região. E para piorar ainda mais, é bem sabido que há muitos europeus indo para a Síria se juntar ao Estado Islâmico, o que reforça a versão de que a guerra que ocorre hoje no país não é culpa do povo sírio. Não seria uma guerra civil, então, como o Ahmed defende. E se você manter isso em mente, acredito que poderá entender melhor a desconfiança que pessoas como o Elia e o Ahmed tem com relação aos Estados Unidos, e por que defendem Assad.
Ahmed: Olha, antes de eu dar você a minha opinião sobre Saddam Hussein, vamos ver porque os Estados Unidos entrou no Iraque. Eles falaram, “O Iraque, ele tem uma bomba nuclear, atomic bombs, ah… massive destructive weapons, não sei, não sei, não sei”, “ele vai matar todo mundo”. Quinze anos os Estados Unidos já estavam lá, quando o jornalista perguntou George Bush, “Onde tá esse weapons, onde tá essa arma?”, ele falou, “Não sei”. Então, eu acho também que a gente precisa olhar no cabeça, não é só acreditar tudo do que tá… que tá na mídia, né… porque os Estados Unidos, ela mentiu. O Colin Powell, que foi o ministério do George Bush, ele mostrou no… United Nations. Ele mostrou o mapas, ele falou, “Aqui tem uma fábrica do… do arma química… aqui tem, ah… fábrica do arma biológica… aqui tem arma do… fábrica do arma…”, e foi tudo mentira. Eles entraram lá, onde tá isso? Eles matou agora, eles matou o Iraque, não é só matou o Saddam Hussein. Saddam Hussein foi um ditador, ele matou muita gente, sabe, tá bom, mas e o Iraque? Ele estava um país, agora o que era? Nada, como democracia dos Estados Unidos.
Ivan: Mas eu te pergunto mais assim… centrado na figura do Saddam Hussein. Independen… Porque o… claro, tudo o que os Estados Unidos fez lá foi inclusive o que gerou a, o nascimento do Daesh, mas… o Saddam…
Ahmed: Olha, ninguém, ninguém ter o direito pra mudar o governo do outro país. Tá, se o Saddam Hussein é bom, então é bom por iraqis, se não é bom, deixa iraqis decidir. Você não pode decidir por todo mundo. Só porque Iraque é um país rico do petróleo e você quer roubar o petróleo dele, você vai criar os mentiras sobre Iraque. Então, se o Saddam Hussein é bom ou não, eu não sei, não foi meu presidente. Eu posso falar sobre o meu presidente é uma pessoa bom. Mas Saddam Hussein, ela foi… quando Saddam Hussein foi presidente do Iraque, Iraque estava, ah… o país que é mais rico no Oriente Médio. Na verdade, ela tem classificação no mundo de povo que tem mais doutorados, no Oriente Médio. No mundo, na verdade, sabe. Ele… ele investia muito na universidade, é… uma sonho entrar na universidade no Iraque antes do guerra, sabe. Uma coisa… estava muito bom. O médico lá, o sistema do… de medicina lá, você não vai pagar nada. O Iraque inteiro, que o governo vai pagar pra você. É melhor medicina, é melhor educação, é melhor segurança. Então, eu acho que… coisa que todo povo mundo quer. Todo mundo, brasileiros, povo do Alemanha, povo do Japão… eles querem educação, segurança, educa… sistema… de medicina bom. Então, tudo estava lá. Saddam Hussein, ele foi ditador, ele foi… não é ditador… na minha opinião, que tem muitas mentiras sobre isso, rapaz. Eles mentiu muito pra quebrar o país dele. Tá bom, então o Saddam Hussein, agora ele… ele morreu, onde tá democracia que os Estados Unidos prometeu todo mundo? Iraque agora, sabe, que é país muito rico no água, não tem água no… nas casas… nas casas. Não tem eletricidade. Iraque estava fazendo importação de eletricidade por país do lado. Agora os iraqis tá dormindo no escuro, não tem mais eletricidade, não tem mais telefone, não tem mais internet, não tem mais serviços. Onde tá dinheiro do Iraque? Onde tá petróleo do Iraque? Onde tá Iraque? Sumiu. Então, quando estou olhando isso, o que você vai achar no… sobre o meu país? Na verdade, o que tá acontecendo na Síria é ainda pior. Ainda pior.
Ivan: É, é que eu… o que eu só me pergunto assim, da opinião do Saddam, e eu já vou voltar daí pra Síria, é… porque, querendo ou não, ele matou uma série de curdos, ele matou pessoas, xiitas…
Ahmed: Mas você tem certeza disso?
Ivan: O genocídio contra curdos, ele é registrado historicamente, é bombas químicas…
Ahmed: Sim, tem fotos, fotos do gente mortos, mas você viu o que faz isso? Até agora tem perguntas, tem dúvidas.
Ivan: O que… o que conversam sobre isso lá?
Ahmed: Na verdade, olha, o Saddam Hussein mesmo, ele falou, “Eu não fiz”. Porque… eu acho que ele estava… Homem, ele era homem, quando ele vai fazer uma coisa, ele vai falar. Ele falou que a gente não teve essa tecnologia pra atacar assim, assim grande, sabe. Então… eu não sei, não sei. Não… não sei tudo, né, mas a minha opinião é que foi muitas mentiras pra quebrar Iraque.
Ivan: Você acredita que ele não matou curdos?
Ahmed: Eu acredito que sim, ele não matou.
Ivan: Que não matou curdos.
Ahmed: Não, porque tem… Turquia, ela tá fazendo guerra contra turcos, fez trinta anos. Por que a gente não pensa em Turquia? Que ela… ela usou o situação para matar o… o cidade que estava em base dos curdos, do arma curdos contra Turquia. Por que a gente não pensa assim também? Então… ninguém sabe, mas na verdade… eu não acredito a mídia que fala muito coisas. Por exemplo, eles ficaram falar sobre o… o atomic bomb do Iraque, por dez anos. Onde tá isso? Tem muitas coisas mentira, sabe?
Ivan: Uhum… isso pode ser mais uma mentira, então?
Ahmed: Talvez.
Ivan: Você acredita que foram os turcos, então, que mataram os curdos?
Ahmed: Não sei. Não sei, não posso falar, não posso… sabe. Mas…
Ivan: Não pode.
Ahmed: Você tá perguntando talvez e eu tô falando talvez, também.
Ivan: Tá, sim, sim, sim.
Ivan (narração): Eu não desejo entrar aqui nas investigações sobre os crimes de guerra que o Saddam Hussein fez ou não. Apenas para fazer uma comparação, o Elia, diferente do Ahmed, dizia que o Saddam era um bandido que não prestava. Mas apenas quero que vocês percebam como é a visão geopolítica no Oriente Médio através dos olhos de alguém que veio de lá. Lembrando, claro, que essa é a visão do Ahmed. Mas há um ponto importante que ele levanta. Muito se fala do Saddam Hussein, de Assad, mas pouco se fala da Turquia e Arábia Saudita, por exemplo. E, apenas um dado de por que isso é relevante aqui, e ajuda-nos a entender essa desconfiança com os outros países que o Ahmed possui. Em 2015, o governo saudita cortou mais cabeças que o Estado Islâmico. Por que não falam sobre isso na imprensa tanto? Será que é por que é um governo aliado dos Estados Unidos? Por que que a monarquia saudita não é tão criticada quanto o regime Assad? Percebem como isso tudo parece aleatório e dá abertura para desconfianças?
Ahmed: Não é guerra civil. Tem uma guerra contra terrorismo. E agora França começou falar o que a gente está falando. O França, “Ah, você precisa sair!”, ele tá falando por nosso presidente. “Sai da Síria!” Quem é você pra falar por presidente da Síria, do governo sair da Síria? É do país dele. Se ele é bom ou ruim, sabe. Ontem, o Vladimir Putin, no televisão, ele falou, “O Estado Islâmico foi, na verdade, ter 40 países no mundo tá suportando Estado Islâmico”. Sabe o que país tá suportando Estado Islâmico? Ele falou, é… entra o grupo do 20, que você tava assistindo televisão, tem… ele falou que a gente tem notícias, é… falando que tem países no isso grupo tá suportando os terroristas. Por quê? Como os terroristas, eles poderem entrar do Turquia pra Síria e sair, e chamar família deles e sair, e entrar o ministro e sair, como assim? O que Turquia tá fazendo? Sabe, ele abriu os fronteiras. Entra Brasil. E depois, eles pode entrar por Europa de novo. É isso o caso que aconteceu na França. Mesmo os terroristas que… que estavam o parte do Estado Islâmico, eles voltaram pra França. E fazer isso, isso ataque. Então, por que na França é terrorismo e na síria não é terrorismo? Sabe, cinco anos Estado Islâmico estava vendo o petróleo da Síria, roubando e vendo. Tá, se todo mundo tá sabendo que Estado Islâmico tá terrorista, quem tá comprando isso petróleo? Quem? Como é petróleo da Síria tá saindo da Síria e como ele tá entrando Turquia? Onde tá satelite moderna do Estados Unidos? Onde tá inteligência, CIA, FBI, não sei, do Estados Unidos? Como tá acontecendo assim? Como, por que o Estado islâmico, ele pode vender o petróleo e comprar os armas? Tem muitos dúvidas.
Ivan: O pessoal fala muito da Arábia Saudita. Você…
Ahmed: Arábia Saudita, ele suporta com dinheiro, isso é muito claro por todo mundo.
Ivan: E, ao mesmo tempo, é aliado…
Ahmed: Mas…
Ivan: … dos Estados Unidos…
Ahmed: … Arábia Saudita, ela não tem fábricas do armas. Quem tem fábrica do armas é Estados Unidos. Quando você vai ver, ele… ele está dirigindo o Hammer, ele tem um arma que fabricada no Estados Unidos. Como assim? Como o arma do Estados Unidos tá chegando por issos terroristas? Tá, Arábia Saudita tá pagando. Tá claro, tá muito, muito claro. Mas os armas, como está entrando do América pra Turquia, pra eles? Por quê? Sabe, é problema agora na Síria, que esses terroristas, eles ter arma mais modernas do arma da Síria. Sabe, o governo, ele não tem essa tecnologia que terroristas têm. Um… Todo mundo fala Estado Islâmico, terroristas radicais. Tá bom. Vamos acreditar. E não acredito, porque não tem nada com Islã, não tem nada com… Se isso radicais, então significa que eles são burros, que eles nunca estudou no universidade, ele nunca abriu o Corão, ele nunca abriu o livro. Como ele pode usar satelite? Como ele pode usar o arma muito moderna que precisa usar computador? Então, tem muitos dúvidas do isso. Tem muitos dúvidas que, na verdade…
Ivan: Sim… Mas, quando você… Como você se sente quando descobre que o François Holland, o presidente da França, vendeu armamento pra Arábia Saudita no início do ano, Estados Unidos acabou de fechar um acordo de 1.26 bilhões em armamento pra Arábia Saudita ontem, eh, como você se sente com isso?
Ahmed: É, na verdade, isso deixa tudo… tudo coisas claros, né. Você tá olhando, tem um comércio aqui. Tem economias que tá crescendo por causa do guerra da Síria. Tá muito claro. Então, um país do Arábia Saudita que ele não tem inimigo, ele nunca entrou em guerra. Mas agora, ela começou comprar as armas pra atacar o Iêmen, o país que arma mais moderna é Kalashnikov. Sabe (ele ri). Uma coisa engraçada mesmo. Ele tá comprando arma do bilhões do dólares pra atacar a história. País mais histórico do mundo inteiro. O Iêmen. O arma mais moderna é Kalashnikov, e eles está usando os… os F-16, F35… E não sei, não sei… Por quê? Porque eles precisarem suportar o economia dos Estados Unidos. É assim. E você precisa… você precisa saber, o diferença entre governo de Síria e governo do outros países do Oriente médio, que Síria é um país independente. Síria, a gente tem governo, a gente tem palavra, a gente tem decisão. Não é igual Arábia Saudita que é um parte do Estados unidos. O que Estados Unidos, ela quer, ele vai ser. Igual Qatar, eles mudou. Na verdade, o Estados Unidos, ele mudou o governo do Qatar em três horas. Um telefone. Modo isso aqui, ela mudou. Ele estava o pai, agora é… O pai era o governo, agora o filho dele. Três horas, tá bom. Muito paz, muito tranquilo, não tem problema, porque o Estados Unidos quer.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ahmed: Agora, na verdade, isso religião que foi criado agora e foi criado no Arábia Saudita e no Estados Unidos. Então, é uma tristeza, quem tem dinheiro ta controlando a media. Agora, é media internacional. Por exemplo, vamos falar no Oriente Médio, 99.99 das canais são do Arábia Saudita, que tá pagando dinheiro por gente pra falar mal, pra fazer isso, pra mudar os cabeças. Eles criando coisas que não existe no Islã. Ninguém, por exemplo, vai dar você um exemplo. No Islã, você não pode matar ah… os pessoas que foi capturado no guerra, você precisa, contrário, você precisa respeitar eles, porque ele não tem arma, não tem liberdade. Sabe quando, por exemplo, dois armas vai fazer guerra, tem gente que não mata ele, você capturou pra fazer um negociação depois. Você não pode. Mas olha agora, no nome do Deus e no nome do Islã, eles tá matando a mulheres. Muçulmanas. No nome do Deus, eles tá matando nós, os muçulmanos mesmo. No nome do Deus eles tá falando… Eles tá matando nossa crianças do dois dias, do dois meses, do nove anos. Então, onde tá Islã no isso? Não existe, sabe. Mas, ele se precisarem da definição por esta guerra, infelizmente, foi Islã, porque é assim. Foi… começou com Al-Qaeda, que Estados Unidos falou Al-Qaeda, Al-Qaeda eles entraram no Afeganistão pra roubar petróleo do Afeganistão também. Eles falou, “A gente vai atacar Al-Qaeda no Afeganistão”, e depois, 15 anos depois, atacaram Afeganistão, o Al-Qaeda aumentou. Al-Qaeda, ele estava 30 mil. Agora, Al-Qaeda, 400 mil. Então, o que Estados Unidos tá fazendo lá? Se está aumentando, aumentando, (ele ri) eles mandou pra nós só 30 mil do Afeganistão na Síria. Então, não tem nada com religião.
Ivan: Concorda que religião é o maior problema lá?
Paulo: Hum… Não (ele ri). Definitivamente, não (ainda ri). O maior problema é o problema político, né, de você ter um regime que, eh, não aceita a possibilidade da existência da Síria sem ele, e de uma oposição que, efetivamente, não considera que a vida e a propriedade dos Sírios sejam um preço muito alto pra pagar por seus projetos políticos. Isso efetivamente não tem a ver com religião. A religião pode até ser parte disso. A religião pode ser uma linguagem através disso. Mas olhar só pra religião é você esquecer que a religião existe através das pessoas, né. E esses projetos políticos aqui… A… a religião já existia antes, na Síria, né, e ela vai existir depois. O problema é, são esses projetos políticos que levaram a essa situação, aí sim, de conflito, com características sociais.
Ahmed: O Islã, o religião que dá liberdade por todas religiões. Eh, o primeir… A primeira regra no Islã, você não pode forçar ninguém para mudar o religião dele. Isso não é minhas palavras, é palavras do Deus no Corão, sabe. Deus falou no Corão, que você não pode forçar ninguém pra mudar o religião dele. O religião é uma coisa entre o coração do pessoa e Deus, sabe. Por isso eu sou muçulmano que… que respeita todos religiões. Não é porque minha mãe me ensinou isso. Ela me ensinou isso também, mas o meu religião me ensinou isso antes, sabe. Os palavras do Corão me ensinou isso antes. A primeira palavra no Corão, se você vai… abrir o Corão, você vai ler, a gente agradece a Deus, o Deus do todo mundo. É tudo do cristão, mundo do cristão, o Deus do muçulmano. O Deus de todo mundo. Então, se você não acredita em Deus, eu não tenho direito pra matar você, porque isso é minha religião. Mas agora, pra falar o Islã radical e o Islã radical… Na verdade, o Islã radical, ele aparece só no país que tem petróleo: Nigéria, Sudão, Síria, Iraque e Iêmen. Onde tem petróleo, tem Islã radical. Por que não tem Islã radical no Arábia Saudita? Ele está formando isso. Por que eles não têm problemas? Porque tudo eles, eles está controlando tudo lá, sabe. Infelizmente, tá assim.
Ivan: Como é que é essa passagem do Corão, em Árabe, você lembra?
Ahmed: O quê?
Ivan: Essa passagem do Corão, em Árabe, que você acabou de falar.
Ahmed: Ah, não sei. Eu vou…
Ivan: Do início do Corão…
Ahmed: Ah, se chama Al Fatiha.
Ivan: Como é que fala?
Ahmed: A gente fala, “الحمد لله رب العالمين”. Significa, “A gente agradece Deus…” Isso, a primeira frase no Corão. Se você vai abrir o Corão, a primeira página, “الحمد لله رب العالمين”. A gente agradece a Deus, o Deus do todo mundo. Então, isso é regra do Corão. Não é Deus do muçulmanos, Deus não escreveu, “A gente agradece a Deus do muçulmano”, sabe. Então, a gente agradece a Deus do todo mundo. Você e eu, a gente são igual pro deus, não tem nenhum diferença.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ivan: Ah… sobre os governos Assad também, existem, ah, casos de crimes de guerra contra o próprio povo dos governos Assad, matando o próprio povo?
Paulo: Óbvio. Sim, sim, sim. Não, os crimes de guerra são evidentes e abomináveis, no caso do… do governo do Bashar. Bashar é um criminoso de guerra, numa escala que poucas vezes foi vista recentemente. Ele… ele é responsável por, justamente, por… criar e tolerar grupos paramilitares que tinham como único e exclusivo objetivo executar parte da população, né, ligada aos protestos, bombardeio indiscriminado de áreas civis, né, a tortura, inclusive de menores, de crianças, mutilações, ataques de… com armas químicas. Ou seja, a… a lista de crimes de guerra do governo do Bashar Al-Assad é muito grande. Não há, não há nenhuma dúvida quanto a isso. A oposição também comete uma série de crimes de guerra, tá. Mas, sem sombra de dúvida, em termos de proporcionalidade, o governo Sírio, até porque tem o poder de destruição muito maior, né, poder bélico muito maior, ele comete numa escala inimaginável. Você tem 11 milhões de refugiados na Síria, numa população de 20 milhões. Ou seja, mais de metade da população perdeu as suas casas, ou teve que se refugiar em outro lugar pra fugir da guerra. Você tem 250 mil mortos. É… é realmente uma das maiores crises humanitárias, né, da… dos tempos recentes. E o regime tem responsabilidade direta em tudo isso. Direta, não há dúvida.
Ivan (narração): E daí vem a pergunta chave: no meio de tanto caos, dúvidas e incertezas do povo sírio, com quem você pode contar?
Ahmed: Por causa do Oriente médio, por causa que a gente tem guerra no todos lugares aqui o lado. Então, a gente quer um governo estável. Forte. Mesmo não é democrática. Mas eu prefiro dormir noite no minha casa, que eu sabe que tem segurança na rua, é melhor que democracia que vai trazer os terroristas tudo do mundo e não posso abrir o porta depois do… do 2 horas do manhã. Não, na verdade, do tarde, 2 horas do tarde que ninguém pode andar na rua. Por quê? Porque eles querem democracia. Qual democracia ela? Sabe. Então, eu acho que… dependente do… do situação da Síria, ah, o governo está aqui… Está assim.
Ivan: A tua… o teu desejo seria Assad sai, e… e o quê?
Paulo: O meu desejo é que os sírios sejam livres…
Ivan: Uhum.
Paulo: Só (ele ri). Ah… não cabe a mim decidir nada disso. Obviamente, o… a figura do Bashar Al-Assad, ela é inaceitável pra boa parte da população síria, né. Os crimes de guerra que o governo, sob comando dele, cometeu são realmente abomináveis. Então, eu acho inviável em qualquer solução política em que ele faça parte, né. A solução política tem que ter um regime de transição, Mas, como eu disse, um regime de transição, eh, um governo de transição tem que levar em conta não só a oposição, mas também o fato de que boa parte da população apoiou e apoia o regime. Então, o regime tem que ser parte. Mas, efetivamente, ah, as figuras do regime que tão ligadas a crimes de guerra dessa proporção, não tem como ser parte da… do processo.
Ivan (narração): Há algumas semanas, eu recebi, através do Twitter de uma jornalista árabe, uma imagem que passa uma ideia sobre o que o povo sírio espera atualmente, no meio de todo esse caos. A imagem era o print de uma conversa que ela estava tendo. E lá, lia-se, “Estou conversando por Skype com um ativista de Aleppo. Ele resume tudo. Civis não sabem dizer o que está acontecendo na Síria. As pessoas estão esperando qualquer coisa com arroz. Se o Exército do regime aparecer, vão jogar arroz para celebrar. Se a Rússia vier, vão aprender Russo. Se os Estados Unidos vierem, vão aprender Inglês. Se os sauditas vierem, nós usaremos o arroz para fazer mansaf, um prato especial feito de arroz, para celebrar.”
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ivan (narração): No próximo episódio…
Ahmed: Minha mãe desis… resistiu três anos. A gente, por três anos falaram, “Nunca vai sair, o guerra vai acabar”.
Elia: Por isso eu resolvi trazer parentes, amigos que conheço…
(INÍCIO DE CLIPE DE ÁUDIO: MATÉRIA TELEJORNALÍSTICA)
Guilherme Menezes: Nos Estados Unidos, o candidato favorito à indicação do Partido Republicano, Donald Trump, propôs a proibição da entrada de muçulmanos no país.
(FIM DO CLIPE DE ÁUDIO)
Ahmed: Olha, sim, sim, a gente tentou antes do sair pro Brasil, a gente tentou França, Alemanha, sabe, assim. A problema lá, se você vai para caminhos legais, você precisa fazer pedido, eles vai acertar você. Eles pode acertar você. Por exemplo, agora com minha certifica, eu posso viver na França. Mas sozinho. Eles não aceita minha família.
(INÍCIO DE CLIPE DE ÁUDIO)
Voz 1: O que tá chamando de crise de refugiados não é passageira, é muito mais um desastre humanitário que vem pra ficar por muito tempo. E como que a resposta, né, tá vindo por parte da Europa? Como se fosse um problema militar. Como se fosse uma questão de erguer muro. A Hungria tá construindo muro de 4 metros de altura, 177 metros de comprimento, na fronteira dela com a Se… Ah, Hungria.
(FIM DO CLIPE DE ÁUDIO)
Paulo: A guerra civil, na Síria, é uma das crises humanitárias mais importantes da atualidade, que você tem um grau de destruição e de sofrimento que é, basicamente, quase que inigualável, né, nos conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. E, obviamente, entender que a população civil síria está pagando um preço altíssimo.
(INÍCIO DE CLIPE DE ÁUDIO)
Jair Bolsonaro: A Presidente Dilma Rousseff, há poucos dias, declarou no jornal de São Paulo, onde ela claramente se mostrava de braços abertos para sírios adentrar no Brasil. Logicamente, não podemos admitir isso.
(FIM DO CLIPE DE ÁUDIO)
Ivan (narração): Aqui no Projeto Humanos, “O coração do mundo”.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
Ivan (narração): O Projeto Humanos é um podcast que visa apresentar histórias íntimas de pessoas anônimas. Ele tornou-se possível graças à ajuda dos patrões do Anticast, que contribuem mensalmente para que nossos programas continuem acontecendo. Se você gosta do nosso trabalho e gostaria que ele continuasse, você pode contribuir através do link na postagem. Agradecimentos especiais a Elia, Ahmed, Nurallah, Paulo Hilu e sua prima, Luciane, que me colocou em contato com ele. Nos vemos no próximo programa.
(FADE IN E FADE OUT DE TRILHA SONORA)
FIM
Transcrição por Jean Carlos Oliveira Santos, Diogo Lima, Eduarda Severo, Zé Roberto, Dyane Guedes Cunha, Marcela Brasil, Cadu Carvalho, Matheus Souza, Sidney Andrade. Edição por Sidney Andrade. Revisão por Zé Roberto.