EXTRAS EPISÓDIO 09
02 DE JULHO DE 1992
Prisões de Celina e Beatriz Abagge. As duas chegaram no Fórum por volta das nove da manhã. pouco tempo depois tiveram que sair de lá para não serem linchadas pela população. o polícia circulou de carro com elas pela cidade e por volta das duas da tarde retornaram ao Fórum de Guaratuba. nas horas seguintes a população se reuniu novamente em volta do local, fazendo a polícia retirar definitivamente as duas do local e levá-las para um quartel da polícia militar em Matinhos. A travessia foi feita num ferry boat exclusivo para as duas, contanto com a presença de um médico e do advogado. De acordo com depoimentos prestados em agosto de 1993 por policiais do Grupo Águia que participaram das prisões seria nesse deslocamento que a fita cassete, contendo as confissões foi feita.
A pergunta que fica é: se a fita foi gravada neste momento, onde apenas as duas dos acusados estavam presentes como é que Osvaldo Marcineiro também aparece falando nela? Ainda mais considerando que de acordo com o depoimento do Grupo Águia naquele momento ele deveria estar em Matinhos.
Na noite desse dia, às 19:40, Beatriz foi a primeira a prestar seu depoimento. Na ocasião ela negou participação no crime, assim como indicou que havia sido torturada. De acordo com o promotor dalcol ela teria feito isso após ter conversado com um segundo advogado que chegou de Curitiba para representá-la, o Dr. Roberto Machado Filho. O que podemos notar é que de acordo com a promotoria essa acusação de tortura só teria surgido por sugestão do advogado de defesa. Mais tarde entraremos em detalhes mas, por enquanto, vale reforçar que essa gravação em fita é único registro que se tem nos autos de uma confissão. Determinar o local e momento de gravação é essencial para determinar se essa é realmente uma fonte confiável, porém esses detalhes não constam no dossiê Operação Magia Negra, feito pelo Grupo Águia.
No dia 3 de julho os primeiros acusados foram apresentados à imprensa, na Secretaria de Segurança Pública do Paraná. Nessa ocasião eles confessaram o crime para a imprensa de todo o país. Beatriz e Celina não participaram da coletiva mas trechos de suas confissões gravadas foram veiculadas em vários canais nos dias seguintes. Duas matérias da época constam trechos dessa gravação. Uma delas é provavelmente do Jornal Nacional, da Globo, e aparentemente é próxima as datas das prisões, entre julho ou agosto de 1992. A segunda matéria é do programa policial do Luiz Carlos Alborghetti e é de 1993.
Em uma matéria do extinto jornal Diário Popular do Paraná, datado do dia 10 de julho de 1992 há uma transcrição completa da fita. Talvez essa foi a primeira vez que a confissão apareceu na íntegra porém em formato de texto. A matéria relata a reunião que o secretário Moacir Favetti teve com repórteres em seu gabinete, com o objetivo de ouvir a fita gravada com os depoimentos de Celina e Beatriz. Na mesma oportunidade o secretário distribuiu o teor de um interrogatório com a participação alguns dos envolvidos na morte de Evandro. Em determinado momento um repórter pergunta para Beatriz o horário que o menino foi levado para Osvaldo. Após esse trecho está a transcrição completa da fita. Nos canais de televisão também não foi encontrada transmissão na íntegra da fita, o que é compreensível uma vez que a gravação tem duração de cerca de 20 minutos.
Os comentários feitos serão baseados em duas fontes principais: primeiro, a transcrição que consta no dossiê Operação Magia Negra; e o segundo, o documento intitulado “Parecer Técnico em Fonética Forense: verificação de autenticidade Caso Guaratuba”, assinado pelo engenheiro e perito criminal Antonio César Morant Braid, da cidade de Salvador, datado de 27 de setembro de 1999. Esse parecer foi solicitado pelo próprio Ministério Público, através do promotor Paulo Sérgio Markowicz de Lima. Conforme consta no parecer, o objetivo do exame era o de verificar a autenticidade de registros de áudio.
DOWNLOAD Transcrição fita cassete Grupo Aguia
DOWNLOAD Laudo de Perícia Caso Guaratuba (ZIP 220 MB)
A FITA CASSETE
No primeiro trecho da fita temos o diálogo entre o interrogador não identificado, Osvaldo Marcineiro e Beatriz Abagge.
Também nesse primeiro trecho, de acordo com a transcrição do dossiê Operação Magia Negra, aparentemente estaria faltando uma fala de Beatriz, na qual ela diria “bem, é o jeito de falar, eles mandam, eles fazem lavagem cerebral, eles…” . Em seguida o interrogador pergunta que horas o menino foi levado para a casa do Osvaldo, só o final da pergunta pode ser ouvido no final da gravação. Ainda fica o questionamento: como Osvaldo estava no início da gravação se de acordo com as explicações dadas pelos policiais do Grupo Águia ele não estaria presente nesse momento? O policial Dirceu Silvestre Matias disse que “a fita começou a ser gravada dentro do carro, depois da saída do Fórum, com destino a Matinhos, e prossegui no ferry boat”.
Talvez o início da fita foi gravado em Matinhos, onde Osvaldo estava esperando as Abagge e que o que ouvimos é uma edição, na qual as últimas gravações foram inseridas no início da fita. Talvez a fita foi toda gravada em Matinhos, mas não faria sentido uma vez que um dos policiais cita que a gravação toda foi feita por ele e que durou cerca de 30 minutos. A gravação final possui 20 minutos, indicando que certos trechos foram excluídos. A travessia de ferry boat dura cerca de 40 minutos
Se Celina e Beatriz saíram de Guaratuba às 16:00 elas estariam no quartel de Matinhos por volta das 16:40. Ainda partindo do depoimento de Dalcol, onde ele afirma que não viu nenhuma gravação sendo realizada , essa gravação deveria ter ocorrido assim que chegaram no quartel porque de acordo com o depoimento dele assim que o advogado Roberto Machado chega de Curitiba ele passa cerca de uma hora com elas. Então com isso, teríamos:
16:40 Chegada em Matinhos, em 30 minutos as confissões foram gravadas.
17:10 Conversa com o advogado por uma hora.
18:10 Folga de cerca de uma hora e vinte entre a conversa com o advogado e o depoimento de Beatriz.
19:40 Beatriz dá o seu depoimento.
Dentro dessa lógica a fita até poderia ter sido gravada toda em Matinhos. Mas o que teria impedido os policiais de falarem que gravaram a fita inteira dentro do quartel? Se os relatos estiverem corretos e a fita começou a ser gravada ainda em Guaratuba e terminou a ser gravada em Matinhos e a conversa com o Osvaldo que aparece no início foi gravada no final porque isso não é mencionado? E quem teria editado essa fita? No parecer técnico não é mencionado isso, o relator apenas cita que a fita tem 14 edições que interrompem a continuidade das falas, sem entrar em mais detalhes.
A fita continua, os acusados descrevem que levaram Evandro para o quartinho da fábrica. Nesse trecho percebemos diferenças entre a transcrição do Grupo Águia, da matéria do Diário Popular e ta entonação da fala de Beatriz. No dossiê todas as falas de Beatriz terminam com reticências, na material do jornal as falas terminam com um ponto final e, por fim, na fita notamos uma entonação de dúvida, como quem busca aprovação do interrogador. O tempo que ela demora para responder também pode ser um indicativo não só de estresse mas de alguém que procura encontrar uma resposta que satisfaça o interrogador. Outro detalhe curioso: podemos perceber uma música tocando ao fundo da gravação, que também aparece em outros trechos, e acabou sendo um ponto essencial para as defesas, com o argumento de que a música serviria para abafar as torturas que aconteceria no momento que a gravação é cortada ou interrompida.
A fita segue, Osvaldo é questionado se Beatriz estava relatando a verdade. Tanto a transcrição do Grupo Águia quanto na matéria do Diário Popular chamam o homem de “João”, como se a pessoa que tivesse transcrevendo tivesse entendido ali o nome errado, devido a fala abafada de Osvaldo. Tanto na matéria quanto no dossiê existe o indicativo de que João é quem responde, levantando a suspeita de que talvez o Diário Popular recebeu uma cópia em texto da transcrição do Grupo Águia, não tendo apenas se limitado a ouvir a fita no encontro que tiveram com o secretário de Segurança.
Mais uma pergunta é feita para Beatriz, segundo o parecer técnico entre a pergunta e a resposta de Beatriz existe um corte. A gravação prossegue e podemos perceber Beatriz encerrando sua frase com um “pronto”. Para as defesas esse seria outro indicativo de que ela estaria respondendo o que os policiais queriam ouvir. Beatriz repete esse “pronto” em diversos momentos da gravação, nenhum desses momentos aparecem na transcrição do Grupo Águia ou do Diário Popular. A gravação segue, podemos notar mais um corte. Ao todo a perícia detectou 14 cortes ao longo da gravação de nenhum deles foi mencionado na transcrição.
Nesse momento ocorre a última aparição de Osvaldo na fita cassete. De acordo com a transcrição ele teria dito que o De Paula “estrangulou e depois cortou”. A gravação prossegue, o interrogador pergunta para Beatriz o que ela fez. A primeira resposta de Beatriz foi “eu não fiz nada, eu fiquei olhando”, o interrogador parece induzir a Abagge a dar uma outra resposta: “você segurou a criança”, ele diz, Beatriz então confirma repetindo “tá, eu segurei a criança”. Em seguida o interrogador diz “não” e temos mais um corte na gravação, Beatriz retorna em outro momento chorando. Para as defesas nesse momento fica claro que ela está sendo forçada a responder de acordo com o que os policiais querem ouvir. De acordo com a transcrição do Grupo Águia nesse momento ela também teria dito “eu não estou aguentando isso” seguido do seu choro e mais descrições sobre o assassinato.
Beatriz em determinado momento pergunta “o senhor quer diga…” e o interrogador responde “Não, não quero que você diga. Quer que você me fale. Como é que era…”. Essa pergunta de Beatriz não consta na transcrição oficial. Tanto no dossiê quanto na matéria do jornal a pressão psicológica é inexistente.
Beatriz prossegue descrevendo o que ela e a mãe fizeram no dia que raptaram Evandro. Ela confessa que junto da mãe raptou o menino no seu carro às duas horas da tarde. É o mesmo horário que ela menciona no início da fita, quando Osvaldo está junto. De acordo com a mãe de Evandro o menino desapareceu de manhã.
O relato continua com Beatriz explicando as supostas motivações para o crime: trazer poder e dinheiro para a família Abagge e para os pais de santo. O interrogador pergunta “o que eles receberam nisso?”. Beatriz não sabe dizer e responde que quem fez esses acertos foi o Bardelli, que era o gerente da serraria do Aldo Abagge. Nas duas transcrições o interrogador pergunta: “dinheiro?” e Beatriz responde “pois é, foi tudo um acerto com o Bardelli. Ele é o responsável pelas finanças”. O texto não transparece o tom de voz do interrogador, que não é o de quem pergunta sobre o dinheiro, conforme consta no dossiê. Além disso a transcrição omite o interrogador dizendo alguma coisa que, de acordo com a defesa, é um “não”.
Primeiro Beatriz diz que não sabe quanto foi pago pelo trabalho porém, logo depois, responde que foi sete milhões de cruzeiros. Como ela sabia a quantia agora se tinha acabado de falar que quem cuidou desse assunto foi o Bardelli? Na transcrição do Grupo Águia o diálogo é bem direto, não demonstrando a falta de conhecimento inicial de Beatriz. Na laudo da perícia há outras informações, apontando para as três pessoas presentes nesse trecho: Beatriz e dois homens não identificados, o diálogo fica assim:
Homem 1: “Mas você sabe quanto que foi”
Beatriz: “É…se… [Beatriz é interrompida nesse momento pelo segundo homem presente]”
Homem 2: “Sete”
Beatriz: “Sete milhões. Pronto”
No laudo o perito afirma que “não há evidências de edição quando uma voz masculina ao fundo fala em tom afirmativo a palavra ‘sete’ no mesmo momento em que a voz feminina fala ‘se’ e só depois conclui com ‘sete milhões. pronto’”. Para as defesas esse é mais um indicativo de que Beatriz estava sendo treinada a falar o que eles queriam. Ela teria sido ensinada a falar o valor “sete milhões” para reforçar toda a simbologia macabra do número sete que depois foi amplamente divulgada na imprensa. Beatriz diz que Osvaldo e De Paula teriam ficado com a quantia, que foi dado por Bardelli e pertencia à fábrica.
Ela prossegue, contando que as restos mortais do menino foram colo, na casinha de madeira que mencionamos em episódios anteriores. Rosa Leite Flora, residia nessa casa que ficava dentro da serraria Abbage e também era funcionária de lá desde 1988, conforme consta no seu depoimento feito em 22 de dezembro de 1992 e está presente no volume 9 do processo. Beatriz não tinha contato com nenhum funcionário da serraria, o que pode indicar que o Grupo Águia chegou a investigar sobre esse acontecimento. Rosa Flora não consta como uma das testemunhas apontadas no dossiê Operação Magia Negra e no depoimento dado ela nega que qualquer coisa tenha acontecido na fábrica. Apesar de ter afirmado que nunca frequentou a casa da família Abagge seu depoimento foi descartado graças a essa proximidade com a empresa.
Ainda sobre o momento que raptaram o menino Beatriz fala que estava no carro e encontrou o menino na rua, o chamou e ofereceu uma bala. Os interrogadores perguntam o que o menino vestia e onde estaria a roupa. Ao responder que a roupa estaria com o Grupo TIGRE, que foi quem encontrou a camiseta, temos um novo corte. A camiseta não consta nos autos, o que poderia ser interpretado como ocultação de provas para benefício da família Abagge. O que seria a confirmação de que a polícia civil estava a serviço dos Abagge. É o que o trecho pode levar a entender.
Beatriz é levada ao encontro de sua mãe Celina, para confirmar a história que contou nessa parte do interrogatório. Ao chegar lá Beatriz revisa para Celina como mataram Evandro. De acordo com a transcrição do Grupo Águia Beatriz disse: “eu dei a balinha para ele, depois nós levamos ele lá para a fábrica, ele ficou preso lá na fábrica, e nós seguramos pro De Paula fazer o trabalho”. Ainda de acordo com a transcrição Celina responde “pra quê você está fazendo isto, minha filha? Isto é mentira, minha filha”. Ao ouvir a gravação o que ela fala é ligeiramente diferente: “você não fale isso [ininteligível], minha filha. Isto é mentira”.
O interrogador começa a questionar Celina qual foi o valor pago e como mataram a criança, qual instrumento foi usado e por sua vez Celina responde que foi com uma faca. O interrogador pergunta como o corpo do menino foi aberto, Celina responde “no estômago”. Celina continua respondendo quem estava presente no momento do crime e a motivação do crime de trazer mais fortuna para os envolvidos. Beatriz tenta ajudar sua mãe com a resposta mas é interrompida por um dos interrogadores. Na transcrição do Grupo Águia ela teria dito “eu já…” e é cortada pelo interrogador que diz “psiu”. Ao ouvir a gravação não é possível ouvir Beatriz falando o “eu já…”. Celina agora diz que abriram o menino com uma serra, tipo um serrote, que estaria na serraria.
Os interrogadores perguntam se o menino chegou a lutar para escapar. celina responde que não, porque deram com um pau na cabeça dele. O interrogador agora pergunta para Celina com que roupa Evandro estava vestido. Celina responde que o menino vestia uma camisetinha amarela e um calção azul. de acordo com o inquérito policial quando Evandro desapareceu ele vestia uma bermuda estampada, uma regata branca e chinelo Raider. O interrogador ameaça, pedindo pra ela falar a verdade, caso contrário será levada para Curitiba. Celina prossegue relatando onde teriam deixado o corpo e seus restos mortais.
Segundo a transcrição o interrogador pergunta: “mas e o resto do material que vocês tiraram de dentro, o que vocês fizeram?” em seguida Celina pergunta “eu posso?” sendo cortada pelo interrogador que diz “não, não pode”. Na gravação a voz que faz essa pergunta parece ser a de Beatriz, querendo responder no lugar da mãe. Daí Celina diz “eu fechava muito o olho, eu já disse”. Essa frase e variações dela são proferidas em muitos dos relatórios: “eu não vi”, “eu saí da sala porque não estava aguentando”, “eu fechei o olho” etc. Todos os acusados disseram o mesmo e, de acordo com as defesas, isso seria uma forma de se livrar do interrogatório longo o mais rápido possível, escapando de responder algo que não sabem se é o que deve ser respondido, como medo de receberem novas torturas. E se consideramos a tese de tortura usada pela defesa, todo esse trecho é curioso para explicar o corte que acontece quando o interrogador interrompe Beatriz e não deixa ela responder pela mãe.
O que os interrogadores perguntam onde os acusados colocaram os restos do menino e quer que Celina responda “na casinha da serraria”. Ela responde que não viu ou que não sabe ou dando qualquer outra resposta menos aquela esperada pelos interrogadores. Com isso a gravação é interrompida e, quando volta, Celina começa a dar outros detalhes. dessa vez Celina fala que cortaram o estômago do menino, retiraram os órgãos dele, que Osvaldo e De Paula levaram os restos como oferenda. Nesse momento há um corte na gravação, ela volta e Celina cita que aguardou dois dias, fazendo a primeira menção de quanto tempo a oferenda teria ficado lá, sem citar a casinha ou algo do tipo. O interrogador diz “eu vou te ajudar, Celina, com certeza, você está falando a verdade”.
De acordo com a transcrição do Grupo Águia, a interrogador teria perguntando “além das vísceras, o que mais foi cortado?”. Celina responde “foi cortado os órgãos genitais”. No futuro este detalhe será importante. A interrogação continua, de acordo com a transcrição o interrogador teria perguntado “quem seria o chefão?”, Celina responde “é o Osvaldo”. “Então quer dizer que eles alugaram a cabeça de vocês?”, pergunta o interrogador, Celina responde “pois é, foi”. O interrogador pergunta o que mais tem na serraria, Celina responde que tem madeira, terra e coisas do tipo. O interrogador continua insistindo com a pergunta, querendo que ela responda falando sobre a casinha.
O interrogador prossegue perguntando sobre como o ritual foi realizado, onde os restos foram colocados mas Celina não fala sobre a casinha. A fita termina aqui, deixando claro que quando os interrogadores perguntam “o que foi guardado?” eles querem que Celina responda “as vísceras do menino, ficou lá por três dias, na casinha da serraria.” e para frustrá-los ainda mais ela responde “não vi, porque eles não gostam de mostrar pra gente, porque a gente debochava deles”.
O SUMIÇO DA FITA
Em 19 de Dezembro de 1995, o advogado de defesa Antônio Augusto Figueiredo Basto requisitava à juíza de Guaratuba uma cópia da fita cassete para que ele pudesse realizar uma análise técnica mais profunda.
Quase dois anos depois, em 30 de Outubro de 1997, ele declarava que ainda não havia conseguido fazer uma análise técnica da fita – e que ela misteriosamente havia sumido dos autos. Na ocasião, estavam a poucos dias de começar o júri de seus clientes: Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula Ferreira. O júri foi adiado – assim como tantos outros foram, sendo o primeiro a ser realizado apenas em 1998.
É difícil precisar exatamente quando a fita sumiu, mas tudo indica que deve ter sido no trânsito dos autos e objetos do processo após seu desaforamento (ou seja, sua transferência) da comarca de Guaratuba para São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba.
LINHA DO TEMPO DO DESAFORAMENTO
• 27 de Outubro de 1995
A juíza de Guaratuba, a Dra. Anésia Edith Kowalski, entra com o pedido de desaforamento, alegando que: 1) não é possível confirmar que os jurados terão a imparcialidade necessária; 2) não será possível garantir a segurança dos réus e da própria juíza.
• 06 de Agosto de 1996
O pedido é acolhido pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
• 05 de Junho de 1997
Os autos e objetos relacionados ao caso foram remetidos à comarca de São José dos Pinhais. A juíza Marcelise Weber Loritte é designada como a responsável pelo processo.
JÚRI DE 1997 ADIADO
Perto da data do julgamento, após constatar o desaparecimento e não se encontrar ela em lugar algum, o advogado de defesa Figueiredo Basto pedia pelo adiamento do júri em 05 de Novembro de 1997. A comarca de Guaratuba afirmava que todos os materiais haviam sido enviados para São José dos Pinhais. A Polícia Militar dizia que todos os materiais do caso foram enviados à Guaratuba desde 1992.
Nenhum julgamento ocorreu em 1997.
MARÇO DE 1998
Em Fevereiro de 1998, a poucos dias de começar o júri de Osvaldo, Vicente e Davi, o jornalista policial Ari Soares dos Santos informa à defesa que possui uma cópia da fita, e que ela lhe foi entregue por uma fonte anônima, provavelmente ainda em 1992.
Em 27 de Fevereiro de 1998, a juíza anuncia oficialmente que fita é fiel às transcrições, pelo menos no teor das palavras, e que aceita anexá-la aos autos. O Ministério Público também aceita, mas contesta sua origem e desconfia que algo pode ter ocorrido nela. Por isso, requisita o Laudo de Autenticidade e Fonética Forense, que será concluído apenas em 1999.
Em 10 de Março de 1998, começa o júri de Osvaldo, Davi e Vicente. Logo no início, de acordo com matéria da Folha de Londrina, um radialista entregou uma cópia da fita para a defesa. A matéria não cita seu nome, mas sabemos pelos autos e outras matérias da imprensa que era o jornalista Ari Soares.
Contudo, o julgamento teve de ser dissolvido porque uma jurada passou mal devido a problemas de saúde advindos de uma cirurgia que havia realizado.
Por causa disso, o julgamento de Beatriz e Celina veio a ocorrer primeiro. O advogado Figueiredo Basto recebeu um convite de Osmann de Oliveira e Ronaldo Botelho, advogados das Abagge, para compor a defesa delas. Ele aceitou.
O JÚRI MAIS LONGO DO BRASIL
O julgamento das Abagge durou 34 dias: de 23 de Março de 1998 até 26 de Abril do mesmo ano. Figueiredo Basto foi a grande estrela da defesa, enquanto que do lado da promotoria o Dr. Celso Ribas chamava também a atenção pelas suas reações explosivas.
CONTESTAÇÃO DA VALIDADE DA FITA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público alega que a fita não foi utilizada para formação de convicção. Contudo, nas alegações finais do promotor Antonio Cesar Cioffi de Moura, redigido antes da pronúncia da juíza de Guaratuba, ele citava a fita como base para a formação da tese. Este documento é datado de 13 de Agosto de 1993.
O MP também alega que a fita, após ter sumido, teria sido adulterada com a inserção de cortes, para parecer que foi editada pelos policiais. Prova disso seria que as degravações originais não condiziam com o conteúdo da fita. Por isso, foi requisitado o laudo de fonética forense.
O problema dessa justificativa é que havia duas degravações originais: a do Grupo ÁGUIA, anexada ao dossiê Operação Magia Negra, que é datado de 7 de Julho de 1992; e do Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Paraná, datada de 20 de Julho de 1992. Ou seja, elas possuem apenas alguns dias de diferença entre si, não havendo chances da fita ter sido adulterada neste meio tempo. E as duas degravações possuem diferenças.
Além disso, nenhuma dessas degravações visavam análises técnicas mais profundas, como análises de sons de fundo, vozes escondidas e até mesmo possíveis adulterações. Em um ofício do Instituto de Criminalística de 4 de Dezembro de 1992, o diretor do instituto afirmava que não seria possível fazer tais exames, pois eles não dispunham de equipamentos para isso. Por isso que, em 1995, o advogado de defesa Figueiredo Basto requisitava que o exame deveria ser feito na Unicamp, mas não conseguiu em tempo.
O promotor Paulo Markowicz argumenta também que em uma matéria da TV Exclusiva, exibida em 10 de Junho de 1997 (ou seja, 5 dias após os autos e objetos do processo terem sido remetidos à comarca de São José dos Pinhais), a fita lá exibida seria a original e ela seria mais fiel do que a que foi anexada aos autos em 1998 graças ao jornalista Ari Soares dos Santos. Contudo, não se sabe a origem da fita que foi usada na matéria, tampouco se ela foi tratada para a exibição na TV. Ademais, a matéria da TV Exclusiva não foi periciada. Logo, usá-la como comparação torna-se um exercício de especulação.
Por isso, o que serve como base para análise mais segura seriam os quatro materiais a seguir (em ordem cronológica):
Degravação do Grupo ÁGUIA [DOWNLOAD]
Degravação do Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Paraná* [DOWNLOAD]
Fita Cassete anexada em 1998 [YOUTUBE]
Laudo de Perícia Caso Guaratuba (Download – ZIP 220 MB)
*os autos digitalizados que utilizamos aqui possui uma folha faltando, a de nº 1326. Não conseguimos conferir em tempo se essa folha está sumida também nos autos do processo originais ou se isso foi um deslize das pessoas que digitalizaram os autos